sexta-feira, 15 de junho de 2012

O Marquês d'Ávila e Bolama acabou com as Conferências do Casino


Em 1871, realizaram-se as “Conferências do Casino”. Foram cinco conferências realizadas no Casino Lisbonense, situado no Largo da Abegoaria, atualmente Largo de Bordalo Pinheiro, n.º10. O edifício ficava na esquina com a antiga Travessa das Portas de Santa Catarina, hoje Travessa da Trindade. Em 26 de dezembro de 1857, foi inaugurado com o nome de Café Concerto. Entre 1869 e 1870 o can-can foi aí o grande espectáculo. Posteriormente passou a chamar-se Casino Lisbonense e encerrou em 1876.
O Programa das Conferências foi redigido por Antero de Quental e assinado por: Adolfo Coelho, Antero de Quental, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de Queirós, Germano V. Meireles, Guilherme de Azevedo, J. Batalha Reis, Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Sáraga e Teófilo Braga. Do programa constava: "não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo; o que todos os dias a humanidade vai trabalhando, deve também ser o assunto das nossas constantes meditações."
A primeira conferência foi pronunciada por Antero de Quental no dia 22 de maio e era intitulada: “O Espírito das Conferências". A segunda, proferida no dia 27 de maio, também da autoria de Antero de Quental, intitulava-se: "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares". É uma das mais importantes obras do pensador. O texto está acessível aqui. A terceira, intitulada "Literatura Portuguesa", ocorreu a 6 de junho, por Augusto Soromenho. A quarta conferência foi proferida a 12 de junho por Eça de Queirós e tinha o título "O Realismo como nova expressão da arte". A quinta, a 19 de junho, da autoria de Adolfo Coelho teve o título "O Ensino".
A sexta conferência, anunciada para o dia 26 de junho, seria da autoria de Salomão Sáraga e teria o título “Os Historiadores Críticos de Jesus”. Quando as pessoas se preparam para entrar no Casino deparam com uma portaria ministerial, afixada à porta, proibindo a realização dessa e das futuras conferências. Quem assinava a portaria era o Marquês de Ávila e Bolama. No protesto público, assinado por Anteo de Quental, Adolfo Coelho, Batalha Reis e Salomão Sáraga, publicado nos jornais do dia seguinte, pode ler-se: “Em nome da liberdade do pensamento, da liberdade da palavra, da liberdade de reunião, bases de todo o direito público, únicas garantias de justiça social, protestam, ainda mais contristados do que indignados, contra a portaria que manda arbitrariamente fechar a sala das Conferências democráticas. Apelam para a opinião pública, para a consciência liberal do País, reservando a plena liberdade de respondermos a este acto de brutal violência como nos mandar a nossa consciência de homens e de cidadãos”.

Antero de Quental, num texto famoso publicado em 30 de junho, intitulado "Carta ao Ex.mo Senhor José D´Ávila, Marquês de Ávila, Presidente do Conselho", escreve: "A Portaria com que V.Ex.ª mandou fechar a sala das Conferências Democráticas, é um acto não só contrário à lei e ao espírito da época, mas sobretudo atentório da liberdade do pensamento, da liberdade da palavra, e da palavra de reunião, isto é, daqueles sagrados direitos sem os quais não há sociedade humana, verdadeira sociedade humana, no sentido ideal, justo, eterno da palavra. Pode haver sem eles aglomeração de corpos inertes: não há associação de consciências livres. Ex.mo. Sr.: nem eu nem V.Ex.ª passaremos à história: e muito menos as ineptas portarias que V.Ex.ª faz assinar a um rei sonâmbulo. Mas supondo por um momento que alguma destas coisas possa passar ao século XX, folgo de deixar aos vindouros com este escrito a certeza duma coisa: que em 1871 houve em Portugal um ministro que fez uma acção má e tola, e um homem que teve a franqueza caridosa de lho dizer".
O texto é de tal forma contundente que há quem admita que o ministro, abandonando o Ministério pouco depois (o governo caiu), nunca mais esqueceu a estocada do seu conterrâneo - ambos eram açorianos: Antero de Quental era natural de Ponta Delgada e António José de Ávila (Marquês de Ávila e Bolama) era natural da Horta.
O rei sonâmbulo, referido na carta aberta de Antero de Quental era D. Luís.
(fonte principal: "A geração de 70: alguns tópicos para a sua história" de João Gaspar Simões) 

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