domingo, 4 de dezembro de 2016

António Lobo Antunes

Eu não gostava nada de ALA. Nem dele nem do que ele escrevia. Influenciado pelo meu filho João, tenho vindo a gostar cada vez mais, para já, das suas crónicas.
Além de eu ter novos olhos, creio que ele, ultimamente, se tem modificado: mais humano e menos presunçoso.Gostei muito da última crónica, como também tenho gostado de outras. Tem o título da data em que foi escrita.A crónica toca numa questão que me tem feito refletir muito.Diz ALA que se opta por um partido político da mesma forma que se opta por um clube de futebol. A opção é feita com base em emoções e não com base na razão. ALA cita um poeta francês, Paul Fort. Escreveu Paul Fort: "laisse penser tes sens (deixa pensar os teus sentidos".As minhas reflexões baseiam-se no conhecimento que tenho de alguns dos chamados retornados. Pessoas socialmente progressistas e politicamente reacionárias. De facto, nas antigas colónias, nos anos 60/70, os costumes eram muito mais vanguardistas, pelo menos no seio da elite branca, do que em Portugal Continental. Para eles, do ponto de vista social, foi um choque a chegada ao continente. A sociedade aqui era muito mais intolerante, conservadora e castradora do que nas antigas colónias. No entanto, muito deles tinham ficado sem os bens materiais que lhes pertenciam e atribuíam a responsabilidade, por esse facto, aos políticos de esquerda que tinham sido responsáveis pela descolonização. Fazendo um exercício de especulação, admito que, se eu tivesse passado por aquilo que os "retornados" passaram, hoje poderia defender opções políticas de direita.De qualquer maneira, a compreensão das razões que, eventualmente, tenham levado outros a assumir posições políticas diferentes das nossas não nos deve inibir de defender as nossas convicções, mas deve fazer com que sejamos tolerantes. A última frase da crónica de ALA é: "Dois homens, quando são homens, pensem o que pensarem, estão condenados a entenderem-se".

terça-feira, 9 de junho de 2015

A arte da ideia

Há uns meses, comprei em Barcelona o livro "El arte de la idea. Y como puede cambiar tu vida" de John Hunt. Obviamente que é uma tradução. O título original é "The Art of the Idea: And How It Can Change Your Life". Comecei a lê-lo agora. Estou maravilhado pela originalidade dos pontos de vista. O livro, além da introdução, contém 20 observações (capítulos). A observação n.º 10: "Abraza la diversidad, te devolverá el abrazo".  A parte final da observação n.º 10: "Además, es mucho más fácil crear algo nuevo si los ladrillos que utilizas son diferentes. Jugar con com ladrillos que sontodos igualeses un juego mucho menos satisfatorio. Unir a gente que ve el mundo de forma distinta crea una alquimia única. La diversidad no quiere un beso volado, espera un buen apretujón. Te sorprenderás gratamente de lo que sucederá después."

sábado, 6 de junho de 2015

A próxima ilha é aquela que amo

Foto de Adam Butler

O barco avança através de uma espessa neblina. A luz do dia é escassa e o frio entranha-se no corpo. Sente-se o cheiro forte a maresia e ouve-se o som dos cagarros. Não há qualquer dúvida: aproximamo-nos de terra. Depois de tantos e tantos dias nas certezas do mar alto, surge a dúvida: como será a estadia naquela ilha? Uma certeza: vou encontrar a natureza em atividade frenética. Estamos no início da primavera e Perséfone já está de novo nos braços de sua mãe.
O vento mudou de direção e a neblina dissipa-se. Já se avista, na linha do horizonte, o perfil montanhoso da ilha. A brisa está forte e o barco avança rapidamente. A ilha é uma mancha escura onde pousaram as estrelas. Avisto os primeiros rochedos, negras pupilas contornadas por íris latejantes de alva espuma. Ao fundo, eleva-se uma parede vertical de rocha vulcânica, qual muralha de castelo flutuante. Lá no alto, a inspiradora Vénus espera uma oportunidade para abençoar o amor.
O dia começa a clarear e vêem-se já linhas de fumo agarradas a pequenas casas. Sinto o cheiro a cedro queimado. Ali, ao centro, três altas araucárias alinhadas, mastros deste navio que, sem descanso, navega no mar. Ouve-se o desassossego matinal dos bandos de pássaros nos verdes prados de cabelo arrepiado pela forte brisa primaveril. Aos primeiros raios de Sol, brilha intensamente a camada de orvalho que cobre o extenso manto vegetal. A serenidade fecunda da natureza emite notas musicais e pode ouvir-se “De povos e terras distantes” de Robert Schumann. Mesmo na minha frente, um ribeiro, engrossado pelas chuvas dos últimos dias, desce apressado do alto da montanha até aos terrenos quase planos que ficam junto ao mar onde, o seu percurso, é marcado pela guarda de honra dos ulmeiros. Sobre a esquerda, à entrada do bosque de cedros, um pequeno grupo de cavalos selvagens comem petúnias multicolores que cobrem o terreno. Eis que surge um a galopar, logo seguido de outro, longas crinas voando livremente ao sabor do vento. Um milhafre solitário voa em largos círculos, coroando a beleza da paisagem. Sinto vontade de mergulhar nesta terra. Se, como disse Diotima, o amor é uma aspiração e uma iniciação no Belo e no Bem, então, eu quero amar esta ilha. Aqui há vida antes da morte!
Depois do barco amarrado ao cais, salto para terra. O chão debaixo dos meus pés vacila. O mar é mais firme do que esta terra devastadoramente fascinante.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Vitória de Samotrácia

Vitória de Samotrácia (artista desconhecido, talvez originário de Rodes)

Um bom motivo para ir a Paris. Esta escultura helénica, de cerca do ano 200 a.C., está no Louvre. Os seus fragmentos foram encontrados, em 1863, nas ruínas do Santuário dos Grandes Deuses de Samotrácia (ilha situada na costa da Trácia, perto da Turquia). Representa a deusa grega Nice, deusa que personificava a vitória. Obviamente que o símbolo da Rolls Royce é uma réplica manhosa da Vitória de Samotrácia. 

domingo, 12 de outubro de 2014

Patrick Modiano


Confesso que não conhecia Patrick Modiano. Nas vésperas da revelação do premiado com o Nobel da Literatura 2014, o jornal El País anunciava os favoritos: Haruki Murakami, Milan Kundera e Philip Roth.
A vitória de Patrick Modiano surpreendeu todos, o próprio incluído que afirmou: “Nunca pensei que isto me pudesse acontecer, estou muito tocado, cheio de emoções”.
O Comité tem-nos habituado a estas surpresas e ainda bem. Penso que mais do que premiar uma carreira, o Nobel deve servir para dar notoriedade a escritores que merecem essa notoriedade e ainda a não possuem.
A vontade de conhecer Modiano fez-me ir à livraria procurar por um livro seu. Não havia. Fui então à Biblioteca Pública. Lá encontrei "Um circo que passa", livro escrito em 1992. Li-o ontem. Uma escrita acessível. Um quase policial. Dado o tema tratado, seria de esperar um pouco de sensualidade, mas nada. Lá estava a "arte da memória". Uma história muito bem contada. 
Um pequeno excerto do livro: “Hoje, revejo essa cena à distância. Por detrás do vidro de uma janela, numa luz difusa, eu distingo um loiro cinquentão em roupão de escocês, uma rapariga de casaco de peles e um jovem... A lâmpada, no pé do candeeiro, era demasiado fraca. Se eu pudesse voltar atrás no tempo e regressar àquele quarto, poderia trocar a lâmpada. Mas sob uma luz mais forte, tudo se poderia dissipar.”
O original, em francês, está acessível na net:
http://www.ae-lib.org.ua/texts/modiano__un_cirque_passe__fr.htm

sábado, 4 de outubro de 2014

"a Europa precisa de ter uma discussão séria sobre os seus valores" Pamuk

"Na sua primeira visita oficial a Portugal, para receber um prémio que reconhece o seu contributo para o património cultural europeu, o Nobel da Literatura deixou um recado: “A herança cultural europeia não se deve limitar à preservação dos seus monumentos, mas também à preservação dos seus valores fundamentais”

O escritor turco Orhan Pamuk defendeu esta sexta-feira em Lisboa que “a Europa precisa de ter uma discussão séria sobre os seus valores fundamentais”. O Nobel da Literatura de 2006, autor de uma obra literária sobre a procura de uma identidade turca, dividida entre o Ocidente e o Oriente, entre modernidade europeia e tradição muçulmana, recebeu esta noite o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva para a Divulgação do Património Cultural na Fundação Calouste Gulbenkian, com um discurso em que prestou tributo à tradição cultural europeia, mas que terminou com uma nota crítica.
“A herança cultural europeia não se deve limitar à preservação dos seus monumentos, mas também à preservação dos seus valores fundamentais”, disse o escritor, na sua primeira visita oficial a Portugal. “E temos de ter uma discussão séria sobre esses valores fundamentais.”
Pareceu claro que era um recado para a Europa – não por acaso, o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, estava presente na primeira fila – embora Pamuk não tenha especificado o que queria dizer com isso, talvez para não correr o risco de soar pouco diplomático. Mas o que Pamuk quis dizer terá talvez a ver com o que respondeu numa entrevista em Dezembro do ano passado, quando um jornalista colombiano lhe perguntou se se sentia europeu. “Não sei. Não penso nesses termos. Em primeiro lugar, sinto-me turco. E um turco tanto se sente europeu como não europeu. Acredito numa Europa que não se baseia no cristianismo, mas no Renascimento, na modernidade, na ‘liberdade, igualdade, fraternidade’. Essa é a minha Europa. Acredito nessas coisas e quero fazer parte delas. Mas se a Europa é a civilização cristã, lamento: nós, turcos, não queremos entrar.”
No debate sobre a hipotética entrada da Turquia na União Europeia, Pamuk – um turco cosmopolita e laico que se autodefine como um “muçulmano, mas apenas no sentido cultural” – emergiu como um intérprete do diálogo entre civilizações. Daniel Cohn-Bendit disse que foi Pamuk quem o ajudou a “perceber a importância de a Turquia aderir à União Europeia”. Até mesmo o ex-Presidente americano George Bush se referiu à obra do escritor como “uma ponte entre culturas”, notando que ela mostra como “pessoas noutros continentes e civilizações” são “exactamente como nós”.

Em defesa das pessoas normais
Atribuído pela primeira vez no ano passado ao escritor italiano Claudio Magris, cuja obra é notória pela sua deambulação cultural (como a de Pamuk), o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva, no valor de dez mil euros, é uma iniciativa da organização europeia de defesa do património Europa Nostra em parceria com o Centro Nacional de Cultura e o Clube Português de Imprensa, com o objectivo de distinguir um cidadão europeu que, ao longo da sua carreira, tenha contribuído para a divulgação, defesa e promoção do património cultural e dos ideais europeus.
O presidente do Centro Nacional de Cultura e membro do júri, Guilherme de Oliveira Martins, notou que a atribuição do prémio a Pamuk teve em conta “o cidadão apaixonado pela defesa do património cultural, mais do que o grande romancista”, embora o seu discurso tenha sido dominado por referências e citações constantes do último romance do escritor, O Museu da Inocência (ed. Presença), publicado em 2008.
Pamuk confessou-se “lisonjeado e honrado” pela atribuição do prémio, que lhe foi entregue pelo secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier.
Falando em inglês, o escritor lembrou como concebeu um romance e um museu ao mesmo tempo, referindo-se a O Museu da Inocência, ficção sobre um homem que colecciona todos os objectos tocados pela mulher que amou e que perdeu e ao edifício com o mesmo nome que abriu em Istambul, a cidade onde nasceu e onde vive, com objectos que foi juntando para o processo de escrita do livro e que é hoje, também, um museu sobre a vida quotidiana da classe média turca na segunda metade do século XX.
“Os verdadeiros romances centram-se em pessoas normais, no seu dia-a-dia”, disse. Com a entrada na modernidade, a literatura deixou de se interessar pelos reis e poderosos para se ocupar da história de pessoas simples, como se fossem reis – Joyce fê-lo em Ulisses, notou. Pamuk defendeu que os museus deviam fazer o mesmo. “Deixem de prestar atenção à nação e aos reis e dediquem-se aos pequenos detalhes das nossas vidas quotidianas. É por isso que defendo que precisamos de pequenos museus”, disse.

Nesta segunda edição do Prémio Europeu Helena Vaz da Silva, foi também atribuído um prémio especial de carreira ao historiador de arte José-Augusto França por ter “fomentado a tomada de consciência e o sentimento de orgulho relativamente à arte portuguesa, relacionando-a com a cultura europeia e mundial”. O júri distinguiu ainda o jornalista holandês Pieter Steinz com uma menção especial pela criação de uma enciclopédia de ícones culturais europeus."
artigo de Kathleen Gomes publicado no Público de hoje

Oliveira da Figueira

Oliveira da Figueira é personagem secundária em vários livros da série "As Aventuras de Tintim" de Hergé. Aparece pela primeira vez em "Os Charutos do Faraó. Comerciante, simpático, falador, fura-vidas, lá se vai desenrascando, nem que para isso tenha de aprender a falar árabe. Oliveira da Figueira entra também nos livros "Tintim no País do Ouro Negro " e "Carvão no Porão". 
Guilherme d'Oliveira Martins (GOM) dedica a Oliveira da Figueira o último capítulo do seu livro de viagens, saído no mês passado, intitulado "Na Senda de Fernão Mendes. Percursos Portugueses no Mundo". Este livro é consequência das viagens que têm sido promovidas pelo Centro Nacional de Cultura, de que GOM é Presidente, viagens com o título genérico "Os portugueses ao encontro da sua história". Uma frase extraída do livro, cujo título é uma homenagem a Fernão Mendes Pinto: "Se Sophia diz que vivemos "de pouco pão e de luar" é porque a viagem nos anima, para que possamos combater a mediocridade e a indiferença." A erudição de GOM também fica reforçada por esta incursão no mundo da banda desenhada.