Esta noite, Alain de Botton foi entrevistado no programa "Câmara Clara". O programa ficará disponível aqui.
Fiquei com vontade de ler um livro dele.
Há um ano, foi publicada, no jornal i, uma entrevista:
Ateus
ou crentes. Tem noção de quem tem lido mais este livro?
Penso
que o público são essencialmente pessoas que de alguma forma já acreditaram e
deixaram de acreditar. Ou que acreditam um pouco mas não tanto como já
acreditaram. Talvez mesmo pessoas que querem acreditar mas na verdade não
conseguem. Não penso que seja para pessoas que detestam a religião. Podem ter
alguma espécie de crença mas vivem ao mesmo tempo com dúvidas.
Estabelece
um compromisso entre o mundo religioso e o secular. Quis ser menos polémico que
outros autores?
Isso
mesmo, é deliberado. Penso que a linha seguida por Richard Dawkins ou
Christopher Hitchens se torna um estereótipo, como se todos os ateus
detestassem a religião. Mais interessante que atacar quem acredita é perguntar
como podemos viver fora desta esfera. O que pode acontecer quando não
acreditamos. Ainda assim, o livro tem um lado bastante provocador e há quem o
tenha odiado e amado. Há sempre drama à mistura.
O
facto de ser mais conciliador que fundamentalista beneficia ou prejudica a
venda de livros como este?
Não
sei ao certo, mas tem-se vendido muito bem. Dependerá sempre do livro.
Já
escreveu sobre o amor, a arquitectura, o estatuto social, a literatura. Porque
decidiu abordar este tema?
De
uma maneira geral, a sabedoria é um tema que me interessa. Procuro-a em todos
os contextos, como a literatura, a arte, a psicoterapia. No caso da religião,
mesmo que não acredite em nada, é uma fonte muito interessante de conhecimento.
Sou um pensador muito pragmático e observo a religião de forma prática. Mais
que pensar em comentar, costumo pensar em mudanças. As religiões mudaram o
mundo, de uma forma que muito poucas outras coisas conseguiram. São uma das
mais poderosas organizações intelectuais alguma vez construídas. Isso é uma
coisa fantástica.
E
fortíssimas no seu marketing?
É
verdade, com um marketing fabuloso. Não só têm grandes ideias como sabem
disseminá-las.
De
tal forma que, como diz, não chega escrever livros para mudar o que quer que
seja?
Sim,
escrever livros não muda nada. Mesmo que se vendam muito não conseguirão mudar
o mundo. O que muda o mundo é a forma como o organizamos. À medida que vou
envelhecendo cada vez me interesso pela ideia de mudança, com questões
práticas.
Com
uma agenda tão frenética sobra- -lhe tempo para frequentar um Restaurante
Ágape, por exemplo, que favoreceria o tal sentido de comunidade?
Bom,
em Londres tenho uma instituição chamada School of Life, onde conseguimos fazer
algumas destas coisas, como essas refeições em comunidade. Também estamos a
construir uma espécie de edifício não religioso.
Os
templos para ateus, de que fala?
Não
é bem um templo, mas recupera algumas das lições da arquitectura religiosa. Vai
ser construído na Suíça, com o arquitecto Peter Zumthor, que está muito interessado
na tradição dos mosteiros. Será um edifício que evoca essa tradição mas com uma
perspectiva não religiosa.
Quando
sugere soluções inspiradas na religião para reabilitar a comunidade, as
instituições, ou a bondade, acredita que os conceitos se aplicam da mesma forma
a uma grande metrópole e a uma pequena cidade como Lisboa?
Portugal
faz parte do mundo moderno e isso significa que as dinâmicas são muito
parecidas, que predomina a filosofia do individualismo, a veneração do amor
romântico, a crença extrema na tecnologia. Portugal já não é um país
tradicional, portanto, porque não?
Mesmo
sendo um país latino e tradicionalmente católico?
Sim,
apesar de haver uma separação entre aquilo que podemos chamar uma classe urbana
e escolarizada e uma classe mais rural, afastada das grandes cidades. Hoje
levantam-se mais questões que há 20 anos. Prefiro ser ateu ou continuar a
pensar como os meus avós?
Pensa
que algum dia as religiões se esgotarão por completo?
Não,
penso que andarão sempre por cá mas será cada vez mais difícil que as pessoas
acreditem nelas. Continuará a haver uma certa atracção e fascínio, mas esse
poder vai entrando em declínio. A religião torna-se cada vez menos assustadora.
Basta ver como em Inglaterra há um grande afecto pela igreja mas não tem
qualquer poder, é quase uma piada. A Inglaterra é o país dos Monty Python e de
“A Vida de Brian”. Há séculos a religião era assustadora e talvez em Portugal
essas memórias sejam mais recentes, mas mesmo assim o receio foi diminuindo.
Sobrevive apenas uma certa nostalgia: “Ah, isto até parece bom mas não consigo
acreditar em nada.” Foi para estas pessoas que escrevi o livro.
Não
condenando a religião, e procurando até as suas virtudes, vê alguma hipótese de
no final da leitura um céptico se tornar um crente?
Não
me parece que haja essa hipótese. Como ateu nunca sugiro que o leitor se torne
religioso. É mais uma ideia de que não temos que ver a religião como a única
fonte de ética, arte ou arquitectura. Podemos roubar o que ela tem de melhor. A
religião não deve ficar entregue apenas aos crentes, deve ser para todos.
No
caso da educação, quando aconselha por exemplo que se estude “Madame Bovary” na
escola quando se aborda uma tensão amorosa, como costumam ser as reacções?
Sim,
no caso do casamento. Há muita gente que me pergunta: “Estás a falar a sério?”
Sim, estou. Há uns anos escrevi um livro, “Como Proust Pode Mudar a Sua Vida” e
pu-lo a perguntar pelo sentido de coisas como estas. Muita gente ficou
surpreendida. Proust podia mudar as suas vidas? Claro que pode. Os livros têm o
poder de mudar as nossas vidas, mas o sistema de educação recusa-se a aceitar
isto, tal como os museus se recusam a aceitar que as obras de arte nos
transformam. Têm um poder incrível mas não o usam.
Evoca
as fotos de Thomas Struth. Muitas vezes frequentamos museus por pura convenção
social?
Sim,
é verdade. Diz-se hoje que os museus são as novas igrejas, por terem aspectos
em comum, como falar-se em surdina.
Uma
outra espécie de liturgia?
Sim,
e pensam que têm o que é melhor para quem lá vai. O meu argumento é outro. A
arte não nos dá tudo o que podia dar e isso acontece porque nos esquecemos de
como a religião a trata, que penso que é muito mais inteligente. A forma como a
utilizam é um guia sobre como viver e uma fonte de consolo e encorajamento
moral. Isto parece meio assustador porque nos inquieta a ideia de que a arte
nos seja útil, mas porque não?
Que
diria Proust deste livro?
Ele
era um homem muito educado. [Risos.] É um autor secular, que tal como muitos
autores do século xix e xx pôs a arte no lugar da religião. Para ele os livros
eram um substituto da religião. Concordo com esta ideia.
Da
mesma forma que defende que os consultórios de psicoterapia se deviam fazer
anunciar na rua com letreiros néones, como qualquer loja?
Sim,
não há nada de mal na publicidade, em apresentar uma ideia ao público. Devíamos
tratar o produto convenientemente. A Igreja fá-lo porque é organizada, sabe
gerar dinheiro.
Teremos
uma capacidade parecida ou seria exclusivo de uma minoria?
O
ideal era abranger um grande grupo de pessoas. Na religião há uma união que
abrange todas as classes. Na cultura moderna temos uma elite intelectual e um
estrato popular sem que se estabeleça uma ponte entre eles. Depois há um medo
entre as elites de ao falarem de uma forma mais popular serem corrompidos. Como
se vender muitos exemplares de um livro fosse um problema, e não deve ser.
Cobre
praticamente todos os assuntos. O que lhe falta?
Muita
coisa. Costumo cruzar uma série de assuntos porque encontro ligações entre
eles. De certa forma estou sempre a escrever o mesmo livro mas a falar de
maneira diferente.
É
famoso pelos seus livros de auto-ajuda. O país dos Monty Python reage bem
quando lhe diz o que deve fazer?
Tem
mostrado o seu interesse. Não se importa. O grande argumento neste livro é que
os sinais de fraqueza pedem ajuda e toda a gente o reconhece.
Não
receia que pensem: “Bolas, primeiro tínhamos Deus agora temos Alain?”
[Risos.]
Não, não. Eu diria que primeiro tivemos Deus e agora devemos ter a cultura.
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