segunda-feira, 4 de junho de 2012

Alain de Botton

Esta noite, Alain de Botton foi entrevistado no programa "Câmara Clara". O programa ficará disponível aqui.
Fiquei com vontade de ler um livro dele.
Há um ano, foi publicada, no jornal i, uma entrevista:

Ateus ou crentes. Tem noção de quem tem lido mais este livro?
Penso que o público são essencialmente pessoas que de alguma forma já acreditaram e deixaram de acreditar. Ou que acreditam um pouco mas não tanto como já acreditaram. Talvez mesmo pessoas que querem acreditar mas na verdade não conseguem. Não penso que seja para pessoas que detestam a religião. Podem ter alguma espécie de crença mas vivem ao mesmo tempo com dúvidas.
Estabelece um compromisso entre o mundo religioso e o secular. Quis ser menos polémico que outros autores?
Isso mesmo, é deliberado. Penso que a linha seguida por Richard Dawkins ou Christopher Hitchens se torna um estereótipo, como se todos os ateus detestassem a religião. Mais interessante que atacar quem acredita é perguntar como podemos viver fora desta esfera. O que pode acontecer quando não acreditamos. Ainda assim, o livro tem um lado bastante provocador e há quem o tenha odiado e amado. Há sempre drama à mistura.
O facto de ser mais conciliador que fundamentalista beneficia ou prejudica a venda de livros como este?
Não sei ao certo, mas tem-se vendido muito bem. Dependerá sempre do livro.
Já escreveu sobre o amor, a arquitectura, o estatuto social, a literatura. Porque decidiu abordar este tema?
De uma maneira geral, a sabedoria é um tema que me interessa. Procuro-a em todos os contextos, como a literatura, a arte, a psicoterapia. No caso da religião, mesmo que não acredite em nada, é uma fonte muito interessante de conhecimento. Sou um pensador muito pragmático e observo a religião de forma prática. Mais que pensar em comentar, costumo pensar em mudanças. As religiões mudaram o mundo, de uma forma que muito poucas outras coisas conseguiram. São uma das mais poderosas organizações intelectuais alguma vez construídas. Isso é uma coisa fantástica.
E fortíssimas no seu marketing?
É verdade, com um marketing fabuloso. Não só têm grandes ideias como sabem disseminá-las.
De tal forma que, como diz, não chega escrever livros para mudar o que quer que seja?
Sim, escrever livros não muda nada. Mesmo que se vendam muito não conseguirão mudar o mundo. O que muda o mundo é a forma como o organizamos. À medida que vou envelhecendo cada vez me interesso pela ideia de mudança, com questões práticas.
Com uma agenda tão frenética sobra- -lhe tempo para frequentar um Restaurante Ágape, por exemplo, que favoreceria o tal sentido de comunidade?
Bom, em Londres tenho uma instituição chamada School of Life, onde conseguimos fazer algumas destas coisas, como essas refeições em comunidade. Também estamos a construir uma espécie de edifício não religioso.
Os templos para ateus, de que fala?
Não é bem um templo, mas recupera algumas das lições da arquitectura religiosa. Vai ser construído na Suíça, com o arquitecto Peter Zumthor, que está muito interessado na tradição dos mosteiros. Será um edifício que evoca essa tradição mas com uma perspectiva não religiosa.
Quando sugere soluções inspiradas na religião para reabilitar a comunidade, as instituições, ou a bondade, acredita que os conceitos se aplicam da mesma forma a uma grande metrópole e a uma pequena cidade como Lisboa?
Portugal faz parte do mundo moderno e isso significa que as dinâmicas são muito parecidas, que predomina a filosofia do individualismo, a veneração do amor romântico, a crença extrema na tecnologia. Portugal já não é um país tradicional, portanto, porque não?
Mesmo sendo um país latino e tradicionalmente católico?
Sim, apesar de haver uma separação entre aquilo que podemos chamar uma classe urbana e escolarizada e uma classe mais rural, afastada das grandes cidades. Hoje levantam-se mais questões que há 20 anos. Prefiro ser ateu ou continuar a pensar como os meus avós?
Pensa que algum dia as religiões se esgotarão por completo?
Não, penso que andarão sempre por cá mas será cada vez mais difícil que as pessoas acreditem nelas. Continuará a haver uma certa atracção e fascínio, mas esse poder vai entrando em declínio. A religião torna-se cada vez menos assustadora. Basta ver como em Inglaterra há um grande afecto pela igreja mas não tem qualquer poder, é quase uma piada. A Inglaterra é o país dos Monty Python e de “A Vida de Brian”. Há séculos a religião era assustadora e talvez em Portugal essas memórias sejam mais recentes, mas mesmo assim o receio foi diminuindo. Sobrevive apenas uma certa nostalgia: “Ah, isto até parece bom mas não consigo acreditar em nada.” Foi para estas pessoas que escrevi o livro.
Não condenando a religião, e procurando até as suas virtudes, vê alguma hipótese de no final da leitura um céptico se tornar um crente?
Não me parece que haja essa hipótese. Como ateu nunca sugiro que o leitor se torne religioso. É mais uma ideia de que não temos que ver a religião como a única fonte de ética, arte ou arquitectura. Podemos roubar o que ela tem de melhor. A religião não deve ficar entregue apenas aos crentes, deve ser para todos.
No caso da educação, quando aconselha por exemplo que se estude “Madame Bovary” na escola quando se aborda uma tensão amorosa, como costumam ser as reacções?
Sim, no caso do casamento. Há muita gente que me pergunta: “Estás a falar a sério?” Sim, estou. Há uns anos escrevi um livro, “Como Proust Pode Mudar a Sua Vida” e pu-lo a perguntar pelo sentido de coisas como estas. Muita gente ficou surpreendida. Proust podia mudar as suas vidas? Claro que pode. Os livros têm o poder de mudar as nossas vidas, mas o sistema de educação recusa-se a aceitar isto, tal como os museus se recusam a aceitar que as obras de arte nos transformam. Têm um poder incrível mas não o usam.
Evoca as fotos de Thomas Struth. Muitas vezes frequentamos museus por pura convenção social?
Sim, é verdade. Diz-se hoje que os museus são as novas igrejas, por terem aspectos em comum, como falar-se em surdina.
Uma outra espécie de liturgia?
Sim, e pensam que têm o que é melhor para quem lá vai. O meu argumento é outro. A arte não nos dá tudo o que podia dar e isso acontece porque nos esquecemos de como a religião a trata, que penso que é muito mais inteligente. A forma como a utilizam é um guia sobre como viver e uma fonte de consolo e encorajamento moral. Isto parece meio assustador porque nos inquieta a ideia de que a arte nos seja útil, mas porque não?
Que diria Proust deste livro?
Ele era um homem muito educado. [Risos.] É um autor secular, que tal como muitos autores do século xix e xx pôs a arte no lugar da religião. Para ele os livros eram um substituto da religião. Concordo com esta ideia.
Da mesma forma que defende que os consultórios de psicoterapia se deviam fazer anunciar na rua com letreiros néones, como qualquer loja?
Sim, não há nada de mal na publicidade, em apresentar uma ideia ao público. Devíamos tratar o produto convenientemente. A Igreja fá-lo porque é organizada, sabe gerar dinheiro.
Teremos uma capacidade parecida ou seria exclusivo de uma minoria?
O ideal era abranger um grande grupo de pessoas. Na religião há uma união que abrange todas as classes. Na cultura moderna temos uma elite intelectual e um estrato popular sem que se estabeleça uma ponte entre eles. Depois há um medo entre as elites de ao falarem de uma forma mais popular serem corrompidos. Como se vender muitos exemplares de um livro fosse um problema, e não deve ser.
Cobre praticamente todos os assuntos. O que lhe falta?
Muita coisa. Costumo cruzar uma série de assuntos porque encontro ligações entre eles. De certa forma estou sempre a escrever o mesmo livro mas a falar de maneira diferente.
É famoso pelos seus livros de auto-ajuda. O país dos Monty Python reage bem quando lhe diz o que deve fazer?
Tem mostrado o seu interesse. Não se importa. O grande argumento neste livro é que os sinais de fraqueza pedem ajuda e toda a gente o reconhece.
Não receia que pensem: “Bolas, primeiro tínhamos Deus agora temos Alain?”
[Risos.] Não, não. Eu diria que primeiro tivemos Deus e agora devemos ter a cultura.


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