Um dos motivos que faz com que eu ainda compre o Expresso é a crónica de José Cutileiro que leio sempre com muito interesse. A que foi publicada ontem começa assim:
"Floresce em Atenas o fabrico de coberturas de piscina camufladas que parecem, vistas do ar, um bocado de jardim. Vendem-se bem desde que helicópteros do fisco sobrevoam o campo grego à procura de sinais exteriores de riqueza. Nas paisagens míticas de Maratona, das Termópilas, de Delfos não há crise da União Europeia que trave a luta de quem deva pagar impostos contra quem os manda cobrar."
Transcrevo este texto não para evidenciar que os gregos são muito piores do que nós. Sei que nós e os gregos somos, culturalmente, feitos da mesma massa. Em circunstâncias idênticas estou convencido de que também aqui floresceria esse negócio.
Também não o transcrevo numa atitude moralista e recriminatória.
Transcrevo porque o descrito caracteriza bem a atitude perante as instituições das sociedades do Sul da Europa que não foram influenciadas pelas ideias de Martinho Lutero.
A diferença entre esta atitude e a dos países do Centro e do Norte da Europa é uma das dificuldades para a concretização da Europa Unida. Termos consciência dessa diferença é já um passo no sentido de que ela seja atenuada.
Vejamos a questão da pontualidade. Estou na Universidade de Évora há 17 anos e noto uma diferença abissal no que diz respeito ao cumprimento de horários de início das reuniões: há 17 anos as reuniões começavam, no mínimo, com meia hora de atraso e, actualmente, há muitas reuniões que começam à hora marcada. Outra questão: o acto de atirar lixo para a via pública. Antigamente eram os estrangeiros que se admiravam com a sujidade das ruas das nossas cidades. Agora somos nós que nos admiramos com a sujidade que encontramos em muitas cidades fora da Europa que visitamos.
Por isso, a nossa atitude perante o fisco não é uma fatalidade cultural. O que é tradição hoje, deixa de ser admissível amanhã.
Já Luís de Camões o tinha constatado ao escrever:
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
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