Estamos há pouco mais de uma década no século XXI, mas um terrível precedente já foi estabelecido: todas as grandes negociações internacionais e principais esforços de cooperação iniciados neste século terminaram, até agora, em fracasso.
Em relação ao meio ambiente, a luta contra o aquecimento global chegou a um impasse, com as três últimas conferências anuais sobre as alterações climáticas das Nações Unidas, em Copenhaga, Cancún e Durban, a falharem na renovação do Protocolo de Quioto.
Da mesma forma, apesar da conferência do ano passado em Paris, para rever o Tratado de Não Proliferação e as subsequentes conversações entre o presidente dos EUA, Barack Obama, e o presidente russo Dmitri Medvedev sobre o desarmamento nuclear, em Nova Iorque, terem feito notáveis avanços, os resultados estiveram muito aquém de garantirem um futuro livre de armas nucleares.
A lista continua: eventos no Médio Oriente acabaram com todas as hipóteses de paz na região, as medidas tomadas para ajudar na recuperação mundial - incluindo as melhorias reguladoras, como a separação entre a banca de retalho e de investimento, a eliminação dos paraísos fiscais e a repressão dos conflitos de interesses das agências de notação de crédito - foram fracas; e as duas últimas reuniões do G-20 registaram falhas graves.
As causas e as partes responsáveis por essas falhas são diversas, mas há uma constante: nos últimos anos, a retórica nacionalista, até mesmo xenófoba, intensificou-se dramaticamente. O patriotismo e a supremacia são hoje em dia enfatizados mais insistentemente, enquanto expressões de desconfiança dos “outros” têm aparecido em toda parte - inclusive no Oceano Ártico, onde o Canadá e a Rússia estão envolvidos em algo a que um especialista apelidou de “Guerra Fria light”.
A consequência da crescente balcanização da comunidade internacional é que as conferências voltadas para o consenso tendem a terminar em impasses. Estas falhas não significam que a maioria das pessoas em todo o mundo não concorde totalmente com estas questões, ou que essas pessoas não estejam preparadas para tomarem decisões atempadas ou até mesmo corajosas. Infelizmente, os sentimentos das pessoas comuns raramente triunfam quando os governos se reúnem.
A conclusão é inevitável: é a procura do consenso absoluto - unanimidade - que está a comprometer o progresso das principais preocupações mundiais. As negociações voltadas para o consenso podem resultar quando um tratado é feito entre vencedores e vencidos - o forte e o fraco. Após a I Guerra Mundial, as potências aliadas tentaram promover a paz internacional através da criação da Liga das Nações. Mas o requisito de unanimidade da Liga deu, efectivamente, o poder de veto a todos os membros e a recusa do Senado dos Estados Unidos em ratificar o seu Tratado condenou o esforço a uma morte prematura.
O fracasso abjecto da Liga para evitar a II Guerra Mundial resultou num segundo esforço para criar cortesia internacional após o fim dos combates. A nova ONU estava muito melhor estruturada do que a sua antecessora e o mundo ganhou uma instituição que promove o debate e a tomada de decisão deliberativa de forma muito mais vigorosa da que é possível em organizações conduzidas pelo consenso.
Mas uma mudança que contradiz o espírito da Carta das Nações Unidas ocorreu. Num esforço para evitar resoluções ou medidas que expõem os seus desacordos, as grandes potências mundiais adoptaram o hábito de organizar debates e conferências em todo o mundo que façam regressar a tomada de decisão por consenso.
De acordo com a Carta das Nações Unidas, o foco principal da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança é promover a segurança internacional. Mas a ONU tornou-se o “operador geral” para as conferências mundiais, agindo como administrador e fornecedor de serviços e instalações (tais como locais e intérpretes) para eventos que oficialmente não fazem parte das suas operações principais. Como resultado, a ONU está a assumir cada vez mais a culpa pelas falhas destas conferências, que só não deixam as questões em aberto, mas também comprometem a autoridade da ONU.
A conferência Rio+20, que examinará os progressos realizados desde a primeira “Cimeira da Terra” no Rio de Janeiro há 20 anos, terá lugar na mesma cidade em Junho deste ano. Concebida com um vasto conjunto de objectivos, incluindo um destaque tanto para a economia verde como para o desenvolvimento sustentável, a conferência parece condenada ao fracasso. Sem consenso, nenhuma acção pode ser tomada e haver consenso será impossível.É claro, há a hipótese de que o mundo reconhecerá o seu dilema no Rio. Se a maioria dos países presentes se atrever a declarar que exigir o consenso é equivalente a impor a paralisia e se insistir em seguir os procedimentos de votação consagrados na Carta das Nações Unidas, poderemos ver progressos enormes.
O aquecimento global e a crise económica estão a ameaçar a segurança internacional. Só isso justifica referir estas questões na Assembleia Geral da ONU, que, ao contrário do Conselho de Segurança, não conhece o poder de veto. Uma declaração forte e um apelo às medidas vinculativas para abordar essas questões seriam então possíveis.
As crises económica e ambiental com que nos deparamos são demasiado urgentes para participar em jogos que dão a aparência de unanimidade internacional. Está mais do que na hora de abordar não só o aquecimento global e a crise económica, mas também o processo de tomada de decisão internacional. Por que não começar com o Rio?
(Do site do jornal Público)
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