Austeridade não é sinónimo de autoridade. A austeridade pode impor-se, mas só será eficaz se for consequência de uma autoridade reconhecida como tal por aqueles que sofrem a imposição.
Recordo muitas vezes a história de um jornalista que, viajando de carro com um membro do Governo na Roménia de Ceausescu, o avisou de que estavam a entrar por uma rua de sentido proibido. A resposta do governante foi esta: «On peut tout: on a le pouvoir» (Podemos tudo: temos o poder). Felizmente o tempo veio demonstrar a falsidade escandalosa desta afirmação.
Há demasiados países cujos governantes estão convictos de que o poder é uma distinção suprema que lhes permite todos os atropelos sobre os outros.
Mesmo nas democracias, há inúmeros redutos (normalmente, os que a um olhar turístico parecem mais bucólicos) onde a vida real funciona assim. Existem vilas onde o maior amigo do homem que espanca a mulher é o chefe da Polícia, e municípios onde só se cumprem as ordens dos senhores que detêm o poder.
Com uma ressalva importante: se em democracia as coisas funcionam assim, é porque a populaça cala, acata, consente – na esperança do favorzinho futuro.
A autoridade autêntica é feita de exemplo e acto – nunca de queixumes e culpabilizações. Não basta ganhar eleições para se conquistar autoridade – aquilo a que as vitórias eleitorais comprometem os vencedores é a merecerem ser respeitados como líderes.
A linguagem tem a importância de um enunciado de exame: pode ser estimulante, aborrecida, clara ou confusa – mas exige resposta, e a resposta, em política, exprime-se através da acção, ética em movimento.
Muito mais do que simplesmente ouvir, a capacidade de escutar é essencial a um líder, seja qual for a área da liderança. Vivemos uma era de lideranças múltiplas e interactivas – o que devia significar melhores ideias e um acentuado desenvolvimento. Na ciência e nas artes, essa multiplicação de competências cruzadas tem sido extraordinariamente criativa e rentável.
Pelo contrário na política assistimos a um declínio de ideias e eficiência radicalmente devastador.
Porquê? Porque ao desmoronar das ilusões comunistas se sucedeu um deslumbramento bacoco com as aparentemente infinitas capacidades de prestidigitação do capitalismo.
Um pouco de conhecimento de História bastaria para acalmar a febre do ouro que atacou fatalmente os yuppies do fim do milénio passado – mas, na infinita arrogância que a candura arrasta consigo, eles prescindiram de perder tempo e ganhar rugas debruçados sobre os alfarrábios de História (já para não falar dos de Filosofia, que gastariam ainda mais tempo e contenderiam com o nervosismo da ânsia de sucesso).
Ao contrário do que se pensava, não foi a sida a peste do fim do século – essa, graças aos cientistas, acabou por se tornar uma doença crónica entre muitas outras. E a devastação física e afectiva que causou acabou por convocar as pessoas para esse fundamento moral da existência que é o amor, nas suas múltiplas modalidades. A sida teve pelo menos essa consequência regeneradora: a de levar as pessoas a serem solidárias e a aprenderem a olhar o outro com compaixão (no seu sentido original de paixão partilhada).
O caos financeiro mundial provocado pela genuflexão da política face à especulação financeira não parece ainda ter qualquer efeito no pensamento e no rumo dos líderes políticos democráticos.
Não perceberam o bê-á-bá do funcionamento das sociedades, nem sequer esta coisa elementar: a economia é um meio ao serviço de um fim, que é a dignidade das populações.
(crónica publicada no jornal Sol de 16 de março de 2012)
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