quarta-feira, 16 de março de 2011

A felicidade na sociedade de hiperconsumo

Conferência de Gilles Lipovestsky na Gulbenkian (Outubro de 2009). Pode ouvir-se aqui: Parte I; Parte II

"Deixámos a «sociedade de consumo», chegou a hora do hiperconsumo, terceira fase histórica do capitalismo de consumo.

Doravante, impõe-se uma espécie de «turbo-consumidor» móvel e flexível, largamente liberto das pretéritas culturas de classe, imprevisível quanto a gostos e aquisições. De um comprador sujeito a condicionalismos sociais de nível, passámos para um hiperconsumidor em busca de experiências emocionais, de qualidade de vida e saúde, de marcas e autenticidade, de imediatismo e comunicação ilimitada. O consumo intimizado veio substituir o consumo honorífico num sistema em que o comprador está cada vez mais informado e é cada vez mais infiel, reflexivo e «estético».

Qualquer que seja a intensidade das críticas apontadas à sociedade de hiperconsumo ainda só se encontra nos primórdios, sendo o cenário mais provável vir a alargar-se à escala do planeta numa época em que não há nenhum sistema alternativo credível. Nem os protestos ecologistas, nem as novas formas de consumo mais sóbrio, nem os «alterconsumidores» serão suficientes para pôr cobro ou travar a fuga em frente da mercantilização da experiência e dos modos de vida.

A sociedade de hiperconsumo é a da «felicidade paradoxal». Relativamente aos anos de 1960, consumimos o triplo da energia, contudo ninguém pode sustentar que somos três vezes mais felizes. Quanto mais se multiplicam as fruições privadas mais se afirmam as frustrações da vida íntima, as ânsias e as depressões, as desilusões afectivas e profissionais. As insatisfações próprias progridem proporcionalmente às satisfações proporcionadas pelo mercado.

O «trágico» da nossa época radica na dinâmica da individualização e em novas aspirações de vida feliz; quanto mais se afirma a exigência de felicidade privada, mais crescem, inevitavelmente, as insatisfações e desilusões de todo o tipo.

Impõe-se constatar que o nosso poder sobre as «coisas» segue uma curva exponencial, mas o nosso poder sobre a alegria de viver mantém-se muito fraco. As chaves que abrem as portas da felicidade não progridem, teimando em escapar ao controlo dos homens. Manifestamente, o projecto de poderio ilimitado dos Modernos atinge aqui os seus limites.

Sem pessimismo, nem optimismo radical: resta-nos viver tendo a consciência de que a felicidade é o enigma indomável, imprevisível, inultrapassável de hoje como de amanhã."

Gilles Lipovetsky concluiu a sua conferência fazendo a ressalva de que o alvo das suas críticas não é o consumo, mas sim o excesso de consumo. “O consumo deverá ser um meio, e não um fim em si”, lamentou. O problema reside na capacidade de inverter a “paixão consumista”: é preciso opor-lhe outra paixão, motivar as pessoas para outros objectivos para além do consumo, que não passa de um “paraíso passageiro”.

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