quinta-feira, 31 de março de 2011

Eduardo Souto de Moura

Discurso directo:

“De manhã, para me vestir não preciso de inventar um casaco - vou ao guarda-vestidos e escolho um. [...] Porque é que na arquitectura é preciso inventar? A arquitectura só precisa de, com o que tem, fazer bem.”

“Algumas das pessoas mais inteligentes que conheci não conseguiram fazer arquitectura. Porque isto tem um risco e um lado pataqueiro como tudo. Um lado primário, como as cartas de amor do [Fernando] Pessoa. De impulso, de incoerência, de emoção.”

“Olho muito para o [Aldo] Rossi. Primeiro os textos – preciso de ler sobre arquitectura. Ele era um grande arquitecto e um grande escritor.”

(Da entrevista publicada no Público de 31 de Março de 2011)

quarta-feira, 30 de março de 2011

Prémio Pritzker 2011

Ao Arquitecto Eduardo Souto de Moura foi atribuído o Prémio Pritzker 2011. Criado em 1979, é o mais importante prémio da Arquitectura e é atribuído com periodicidade anual. Ao Arquitecto Álvaro Siza Vieira tinha sido atribuído o Pritzker em 1992. É notório o reconhecimento internacional do valor da Arquitectura Portuguesa.

Permito-me opinar relativamente à Arquitectura de Eduardo Souto de Moura: ela é caracterizada por peso e leveza.

Esta minha observação é reforçada pela admiração de Eduardo Souto de Moura por duas obras notáveis e, talvez, contraditórias na relação interior-exterior:

- Casa Farnsworth (Chicago) de Mies van der Rohe

- Casa Malaparte (Capri) de Adalberto Libera

A primeira com as paredes em vidro e a segunda com as paredes em betão, quase sem janelas.

Mas, ao dizer que as obras do Arquitecto Souto de Moura são caracterizadas por peso e leveza, não me estava a referir à relação interior-exterior. Estava a referir-me à sua solidez - com a utilização preferencial da pedra e do betão - e à sua plasticidade e integração no sítio que lhes dão uma leveza notável.

Escreveu Milan Kundera: “A contradição pesado-leve é a mais misteriosa e ambígua de todas as contradições”.

terça-feira, 29 de março de 2011

Quem não quer ser primata, não lhe veste a pele!

Li o livro "O filósofo e o lobo" de Mark Rowlands e recomendo.

É um livro de filosofia, acessível ao comum das pessoas. São revisitadas ideias de vários filósofos: Aristóteles, S. Tomás de Aquino, Kant, Hobbes, Heidegger, Nietzsche, Sartre e outros ainda.

A partir da experiência dos doze anos em que viveu com o seu lobo, Mark Rowlands faz um paralelismo entre o primata e o lobo. Tal análise comparativa não é lisongeira para o primata. O primata é considerado a tendência para pensar que as coisas mais importantes da vida se resumem a uma análise custo-benefício. No entanto, reconhece que há alguns primatas que conseguem ter amigos e não apenas aliados.

Acrescenta que o lobo nos diz que os valores do primata são insensíveis e inúteis, que o mais importante da vida não tem nada que ver com contas e números.

Apesar de tudo, resta-nos uma esperança: é possível deixar falar o lobo dentro de nós.

domingo, 27 de março de 2011

Mensagem do Dia Mundial do Teatro

O TEATRO AO SERVIÇO DA HUMANIDADE


por Jessica Atwooki Kaahwa

Este é o momento exacto para uma reflexão sobre o imenso potencial que o Teatro tem para mobilizar as comunidades e criar pontes entre as suas diferenças.

Já, alguma vez, imaginaram que o Teatro pode ser uma ferramenta poderosa para a reconciliação e para a paz mundial?

Enquanto as nações consomem enormes quantidades de dinheiro em missões de paz nas mais diversas áreas de conflitos violentos no mundo, dá-se pouca atenção ao Teatro como alternativa para a mediação e transformação de conflitos. Como podem todos os cidadãos da Terra alcançar a paz universal quando os instrumentos que se deveriam usar para tal são, aparentemente, usados para adquirir poderes externos e repressores?

O Teatro, subtilmente, permeia a alma do Homem dominado pelo medo e desconfiança, alterando a imagem que tem de si mesmo e abrindo um mundo de alternativas para o indivíduo e, por consequência, para a comunidade. Ele pode dar um sentido à realidade de hoje, evitando um futuro incerto.

O Teatro pode intervir de forma simples e directa na política. Ao ser incluído, o Teatro pode conter experiências capazes de transcender conceitos falsos e pré-concebidos.

Além disso, o Teatro é um meio, comprovado, para defender e apresentar ideias que sustentamos colectivamente e que, por elas, teremos de lutar quando são violadas. 
Na previsão de um futuro de paz, deveremos começar por usar meios pacíficos na procura de nos compreendermos melhor, de nos respeitarmos e de reconhecer as contribuições de cada ser humano no processo do caminho da paz. O Teatro é uma linguagem universal, através da qual podemos usar mensagens de paz e de reconciliação.

Com o envolvimento activo de todos os participantes, o Teatro pode fazer com que muitas consciências reconstruam os seus pré-conceitos e, desta forma, dê ao indivíduo a oportunidade de renascer para fazer escolhas baseadas no conhecimento e nas realidades redescobertas.

Para que o Teatro prospere entre as outras formas de arte, deveremos dar um passo firme no futuro, incorporando-o na vida quotidiana, através da abordagem de questões prementes de conflito e de paz.

Na procura da transformação social e na reforma das comunidades, o Teatro já se manifesta em zonas devastadas pela guerra, entre comunidades que sofrem com a pobreza ou com a doença crónica.

Existe um número crescente de casos de sucesso onde o Teatro conseguiu mobilizar públicos para promover a consciencialização no apoio às vítimas de traumas pós-guerra.

Faz sentido existirem plataformas culturais, como o Instituto Internacional de Teatro, que visam consolidar a paz e a amizade entre as nações.

Conhecendo o poder que o Teatro tem é, então, uma farsa manter o silêncio em tempos como este e deixar que sejam “guardiães” da paz no nosso mundo os que empunham armas e lançam bombas.

Como podem os instrumentos de alienação serem, ao mesmo tempo instrumentos de paz e reconciliação?
 Exorto-vos, neste Dia Mundial do Teatro, a pensar nesta perspectiva e a divulgar o Teatro, como uma ferramenta universal de diálogo, para a transformação social e para a reforma das comunidades.

Enquanto as Nações Unidas gastam somas colossais em missões de paz com o uso de armas por todo o mundo, o Teatro é uma alternativa espontânea e humana, menos dispendiosa e muito mais potente.

Não será a única forma de conseguir a paz, mas o Teatro, certamente, deverá ser utilizado como uma ferramenta eficaz nas missões de paz.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Como educar?

Há talvez um mês, li uma referência elogiosa que o meu amigo Artur Cristóvão escreveu acerca do livro “O filosofo e o lobo” da autoria de Mark Rowlands. Estou agora a lê-lo e estou a gostar muito. Para já, destaco os seus ensinamentos - que considero de grande utilidade - acerca de: como treinar um lobo. Escreve o autor que aqueles que consideram que é impossível ensinar lobos estão completamente enganados. Continua, esclarecendo que há dois erros clássicos, a seguir descritos.

1º Encarar o treino como uma batalha de vontades, em que o lobo tem de ser pressionado a obedecer. Quem enveredar por este caminho falha redondamente. Quem experimentar treinar um cão grande e agressivo dessa forma, de certeza que no final terá um cão muito pouco simpático.

2º O erro oposto: pensar que a obediência do cão se consegue não através da autoridade mas através de recompensas.

Como proceder?

“A atitude certa para treinar um lobo deve ser: vais fazer o que a situação exige – nesta situação não há outra hipótese. Não é a mim que tens de prestar contas, é ao mundo. (...) não uma autoridade dominadora e arbitrária cuja vontade deve ser obedecida a qualquer preço, mas um educador que deixa o lobo compreender o que o mundo pretende dele.”

Agora, vou explicar porque considero estes ensinamentos de grande utilidade. Não é por considerar que muitos de nós, mais cedo ou mais tarde, teremos de treinar um lobo. Nem estou a classificar os humanos como lobos. Ora, o que eu penso é que é exactamente esta a atitude que se deve tomar quando se está a educar uma criança. Seguindo este princípio, não estamos propriamente a ensinar uma criança a ser boazinha, estamos sim a ensinar a criança a distinguir as atitudes estúpidas e das atitudes inteligentes.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Quase

Personagem à janela - Salvador Dali


Um pouco mais de sol - eu era brasa,

Um pouco mais de azul - eu era além.

Para atingir, faltou-me um golpe d'asa...

Se ao menos eu permanecesse aquém...


Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído

Num grande mar enganador d'espuma;

E o grande sonho despertado em bruma,

O grande sonho - ó dor ! - quase vivido...


Quase o amor, quase o triunfo e a chama,

Quase o princípio e o fim - quase a expansão...

Mas na minh'alma tudo se derrama...

Entanto nada foi só ilusão!


De tudo houve um começo... e tudo errou...

- Ai a dor de ser-quasi, dor sem fim... -

Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,

Asa que se elançou mas não voou...


Momentos de alma que desbaratei...

Templos aonde nunca pus um altar...

Rios que perdi sem os levar ao mar...

Ânsias que foram mas que não fixei...


Se me vagueio, encontro só indícios...

Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;

E mãos d'herói, sem fé, acobardadas,

Puseram grades sobre os precipícios...


Num ímpeto difuso de quebranto,

Tudo encetei e nada possuí...

Hoje, de mim, só resta o desencanto

Das coisas que beijei mas não vivi...


.................................................................

.................................................................


Um pouco mais de sol - e fora brasa,

Um pouco mais de azul - e fora além.

Para atingir faltou-me um golpe d'asa...

Se ao menos eu permanecesse aquém...


Mário de Sá-Carneiro

Estou vivo e escrevo sol

Wheatfield With Crows – Vincent Van Gogh

Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol
Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol
A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida
Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maravilha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde

António Ramos Rosa

domingo, 20 de março de 2011

As pequenas pequenas obras

Nos últimos anos, não têm sido muitas as obras executadas pela Câmara Municipal de Évora. A situação financeira não é famosa. Foi pesada a herança que a actual gestão herdou e será pesada a herança que vai deixar a quem vier a seguir. Têm sido executadas poucas e pequenas obras. Mas sentem-se no dia a dia. Estão a ser semeadas lombas pela cidade. É cada solavanco! As obras são pequenas mas a população sente-as bem! Sendo as lombas buracos invertidos, as nossas ruas estão a ficar completamente esburacadas!
Aproveito para lembrar que existe um sinal de trânsito adequado à sinalização de lombas.

Outra notícia liliputiana


Uma pequeníssima notícia na última página do suplemento "Confidencial" do jornal "Sol":
"Nova queda no desemprego (em Portugal)...No mês passado estavam registados cerca de 550,5 mil desempregados, menos 1% do que em Fevereiro de 2010 e menos 0,3% do que em Janeiro deste ano...
Na nossa imprensa, só as desgraças têm direito a destaque!

Um pequeno grande livro

Li, com muito agrado, o livro "Indignai-vos". Um pequeno grande livro da autoria de um jovem com 93 anos, Stéphane Hessel.
Escreve ele: "A pior das atitudes é a indiferença, dizer "como não posso fazer nada, desenvencilho-me como posso"."
Transcrevo ainda as últimas linhas do livro:
"...continuamos a apelar a "uma verdadeira insurreição pacífica contra os meios de comunicação de massas que só apresentam como horizonte à nossa juventude uma sociedade de consumo, o desprezo pelos mais fracos e pela cultura, a amnésia generalizada e a competição renhida de todos contra todos."
A todos aqueles e aquelas que irão fazer o século XXI, dizemos com afecto:
"Criar é resistir. Resistir é criar.""

sábado, 19 de março de 2011

"Pessoas de qualidade"

"Fidalgo", século XVIII, desenho de Zé da Sé, 11 anos, 6º/E, escola Padre Abílio Mendes, ano lectivo de 2004/05

O terramoto e tsunami de 1755 provocaram, em Lisboa, 15 mil mortos, dos quais, segundo relato da época, só “oito pessoas de qualidade”, escreve José Cutileiro (Expresso de hoje). Ainda não tinham soprado os ventos da Revolução Francesa (1789) e, de resto, só uma ínfima minoria sabia ler, pelo que, quem escrevia estava à vontade porque a “populaça” não tinha acesso ao que era escrito. Hoje, é preciso mais cuidado com o que se escreve.

Há dias, ouvimos Cavaco Silva dizer: “Há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos” (discurso de tomada de posse). Por sua vez, Passos Coelho disse: o (meu) partido está preocupado com a situação social existente em Portugal e que o novo pacote de austeridade vem piorar o cenário”. ”(declarações à saída da reunião com Cavaco Silva).

Podemos concluir que Passos Coelho, se fosse primeiro-ministro, não implementaria mais qualquer pacote de austeridade e, nesse aspecto, seria apoiado por Cavaco Silva.

Mas não nos precipitemos. Acrescentou Passos Coelho: “Se a dramatização do tudo ou nada que o Governo está a fazer tem fundamento, significa que a verdadeira situação que o país atravessa é diferente daquela que têm dito ao país”. Não é difícil compreender o caminho que está a preparar. Se chegar ao poder, a primeira coisa que afirma é: “a situação do país é muito pior do que aquilo que nos andaram a dizer” (como se fosse possível mascarar a situação real com os holofotes da Europa e do Mundo apontados para nós). A seguir, já estaria à vontade para tomar as medidas de austeridade com que agora diz que discorda e muitas outras.

Há ainda a possibilidade de que tanto Cavaco Silva como Passos Coelho estejam a ser sinceros por se estarem a referir apenas aos cidadãos “de qualidade” (os tais 8 em 15000).

Uma forma de podermos perceber as verdadeiras intenções da direita é lermos o que escreveu José António Saraiva, director do Sol, na edição de ontem deste jornal: “E a ironia é que as medidas que o Governo propõe são aquelas que o PSD terá de pôr em prática no dia em que for poder”. E continua: “O país precisa de um abanão, com opções claras, postas em prática por um Governo corajoso e que não tema a contestação sindical”.

sexta-feira, 18 de março de 2011

A caixa de Pandora

William Waterhouse (1849-1917) - Pandora

Ao descobrir que os homens tinham recebido o fogo de Prometeu, Zeus ficou profundamente irritado e disse-lhe: “para infelicidade tua e dos homens que estão para nascer, vou dar-lhes de presente um mal, que todos irão rodear de amor com todo o coração e por esse amor se irão perder”. Zeus ordenou ao seu filho aleijado, Hefesto, que esculpisse em barro uma figura feminina semelhante às deusas imortais em aparência e em beleza. No seu seio, Hermes insuflou a mentira, a imprudência e a falsidade, de acordo com a vontade de Zeus. Tinha sido criada a primeira mulher, Pandora. Zeus disse a Hermes que entregasse, como presente, Pandora a Epimeteu (irmão de Prometeu). Prometeu tinha recomendado a Epimeteu que não jamais aceitasse um presente de Zeus, se queria poupar os homens a uma terrível desgraça. No entanto, Epimeteu, ao contrário de Prometeu (o que pensa primeiro), só compreende depois, pelo que, seduzido pela jovem, aceitou-a como esposa. Epimeteu tinha guardada uma jarra, dentro da qual, com muito esforço, Prometeu tinha encerrado tudo o que poderia atormentar os homens: a Velhice, o Sofrimento, a Pobreza, a Doença, a Loucura, os Vícios e as Paixões. Prometeu tinha recomendado a seu irmão que a mantivesse fechada, custasse o que custasse. Mas Pandora, roída pela curiosidade, abriu a jarra e todas essas pragas se espalharam pela Terra. Apercebendo-se do que estava a acontecer, tornou a colocar a tampa novamente. No fundo da vasilha ficou apenas a Esperança, único conforto da Humanidade e única maneira de sobreviver no novo mundo hostil. (Adaptado de “Mitos e Lendas da Grécia Antiga” da autoria de Marília P. Futre Pinheiro)

Tenho de confessar que não temo as mulheres, apesar da mentira, da imprudência e da falsidade insuflada por Hermes. Tenho medo sim dos estragos que podem causar políticos que nunca se enganam ou que são aprendizes de feiticeiro que não estão a resistir à tentação de abrir a caixa de Pandora.

quarta-feira, 16 de março de 2011

A "Guerra do Ultramar"

“Importa que os jovens deste tempo se empenhem em missões e causas essenciais ao futuro do país com a mesma coragem, o mesmo desprendimento e a mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na Guerra do Ultramar”, afirmou Cavaco Silva na cerimónia de homenagem aos combatentes, por ocasião do 50º aniversário do início da guerra em África, que decorreu ontem, em Lisboa

Até 1951, Portugal tinha um Ministério das Colónias. Nesse ano, o Minstério mudou de nome e passou a designar-se Ministério do Ultramar. Evidentemente que a mudança de nome pretendia pôr as colónias portuguesas a salvo do movimento anti-colonialista que crescia em África. Portugal deixou de ter colónias e passou a ter "províncias ultramarinas". Em 1961 eclodiu a “Guerra do Ultramar”. Claro que após o 25 de Abril de 1974 essa guerra passou a designar-se Guerra Colonial, já que é sempre bom chamar os bois pelos nomes. Agora, Cavaco Silva vem falar em "Guerra do Ultramar" e considera a participação nessa guerra um exemplo a seguir. Triste exemplo!

Creio que, no primeiro mandato como Presidente da República, Cavaco Silva nunca usou a expressão “Guerra do Ultramar”.

A felicidade na sociedade de hiperconsumo

Conferência de Gilles Lipovestsky na Gulbenkian (Outubro de 2009). Pode ouvir-se aqui: Parte I; Parte II

"Deixámos a «sociedade de consumo», chegou a hora do hiperconsumo, terceira fase histórica do capitalismo de consumo.

Doravante, impõe-se uma espécie de «turbo-consumidor» móvel e flexível, largamente liberto das pretéritas culturas de classe, imprevisível quanto a gostos e aquisições. De um comprador sujeito a condicionalismos sociais de nível, passámos para um hiperconsumidor em busca de experiências emocionais, de qualidade de vida e saúde, de marcas e autenticidade, de imediatismo e comunicação ilimitada. O consumo intimizado veio substituir o consumo honorífico num sistema em que o comprador está cada vez mais informado e é cada vez mais infiel, reflexivo e «estético».

Qualquer que seja a intensidade das críticas apontadas à sociedade de hiperconsumo ainda só se encontra nos primórdios, sendo o cenário mais provável vir a alargar-se à escala do planeta numa época em que não há nenhum sistema alternativo credível. Nem os protestos ecologistas, nem as novas formas de consumo mais sóbrio, nem os «alterconsumidores» serão suficientes para pôr cobro ou travar a fuga em frente da mercantilização da experiência e dos modos de vida.

A sociedade de hiperconsumo é a da «felicidade paradoxal». Relativamente aos anos de 1960, consumimos o triplo da energia, contudo ninguém pode sustentar que somos três vezes mais felizes. Quanto mais se multiplicam as fruições privadas mais se afirmam as frustrações da vida íntima, as ânsias e as depressões, as desilusões afectivas e profissionais. As insatisfações próprias progridem proporcionalmente às satisfações proporcionadas pelo mercado.

O «trágico» da nossa época radica na dinâmica da individualização e em novas aspirações de vida feliz; quanto mais se afirma a exigência de felicidade privada, mais crescem, inevitavelmente, as insatisfações e desilusões de todo o tipo.

Impõe-se constatar que o nosso poder sobre as «coisas» segue uma curva exponencial, mas o nosso poder sobre a alegria de viver mantém-se muito fraco. As chaves que abrem as portas da felicidade não progridem, teimando em escapar ao controlo dos homens. Manifestamente, o projecto de poderio ilimitado dos Modernos atinge aqui os seus limites.

Sem pessimismo, nem optimismo radical: resta-nos viver tendo a consciência de que a felicidade é o enigma indomável, imprevisível, inultrapassável de hoje como de amanhã."

Gilles Lipovetsky concluiu a sua conferência fazendo a ressalva de que o alvo das suas críticas não é o consumo, mas sim o excesso de consumo. “O consumo deverá ser um meio, e não um fim em si”, lamentou. O problema reside na capacidade de inverter a “paixão consumista”: é preciso opor-lhe outra paixão, motivar as pessoas para outros objectivos para além do consumo, que não passa de um “paraíso passageiro”.

domingo, 13 de março de 2011

Notícia liliputiana

Desenho (desconheço o autor) alusivo a "As Viagens de Gulliver"

Afinal, voltei a comprar o Expresso. Destaco a notícia que transcrevo:
"As exportações portuguesas aumentaram 19,2% em Janeiro. Para a União Europeia o acréscimo foi de 18,6% e para fora da Europa o acréscimo foi de 21,3%. O défice comercial desceu 2%. As vendas à Alemanha cresceram 32,3%."
De realçar que a referida notícia ocupa 4,3cmx2,9cm da última página do caderno principal (cerca de 1% da página).
Porquê tanta discrição? Talvez porque um grande destaque a uma notícia deste tipo poderia aumentar perigosamente o amor-próprio dos portugueses. Lembrei-me de José Gil, que disse numa entrevista:
"Há qualquer coisa no português que se manifesta como uma complacência paralisante, a complacência no pequeno. É esse o nosso mundo, e o nosso mundo tem que ser pequenino, e nós nos fazemos pequeninos como nosso mundo”.

sábado, 12 de março de 2011

Epicuro de Samos


Extratos da "Carta a Meneceu" (Carta sobre a Felicidade) da autoria de Epicuro, nascido na ilha de Samos, Grécia, em 341 a.C.:
"... Lembra-te que o futuro nem é nosso nem é completamente não nosso, de modo que nem podemos contar que virá de certeza nem podemos abandonar a esperança nele com a certeza de que não virá.
Tens de considerar que alguns desejos são naturais, outros vãos, e dos que são naturais alguns são necessários e outros apenas naturais. Dos desejos naturais, alguns são necessários para a felicidade, alguns para o bem-estar do corpo, alguns para a própria vida. O homem que tem um conhecimento perfeito disto saberá como fazer toda a sua escolha ou rejeição tender para ganhar saúde do corpo e paz de espírito, dado que este é o fim último da vida bem-aventurada. Pois para alcançar este fim, nomeadamente a libertação da dor e do medo, fazemos tudo. Quando se atinge esta condição, toda a tempestade da alma sossega, dado que a criatura nada mais precisa de fazer para procurar algo que lhe falte, nem de procurar qualquer outra coisa para completar o bem-estar da alma e do corpo. Pois só sentimos a falta de prazer quando sentimos dor com a sua ausência; mas quando não sentimos dor já não precisamos de prazer. Por esta razão, dizemos que o prazer é o princípio e o fim da vida bem-aventurada. Reconhecemos o prazer como o bem primeiro e natural; partindo do prazer, aceitamos ou rejeitamos; e regressamos a isto ao ajuizar toda a coisa boa, usando este sentimento de prazer como o nosso guia.
Precisamente porque o prazer é o bem principal e natural, não escolhemos todo o prazer, mas por vezes abstemo-nos de prazeres se estes forem cancelados pelas privações que se seguem; e consideramos muitas dores melhores do que prazeres quando um maior prazer virá até nós depois de termos sofrido dores demoradas. Todo o prazer é um bem dado ter uma natureza congénere da nossa; contudo, nem todo o prazer deve ser escolhido. De igual modo, toda a dor é um mal, contudo nem toda a dor é de natureza a ser evitada em todas as ocasiões. Pesando e olhando para as vantagens e desvantagens, é apropriado decidir todas estas coisas; pois em certas circunstâncias tratamos o bem como mal e, igualmente, o mal como bem.
Encaramos a auto-suficiência como um grande bem, não para que possamos desfrutar apenas de poucas coisas, mas para que, se não tivermos muitas, nos possamos satisfazer com as poucas, estando firmemente persuadidos de que quem retira o maior prazer do luxo é quem o encara como menos preciso, e que tudo o que é natural se obtém facilmente, ao passo que os prazeres vãos são difíceis de obter. Na verdade, temperos simples dão um prazer igual ao dos banquetes pródigos quando a dor devida à necessidade for removida; e pão e água dão o máximo prazer quando uma pessoa necessitada os consome. Estar acostumado à vida simples e básica conduz à saúde e faz um homem ficar pronto a enfrentar as tarefas necessárias da vida. Prepara-nos também melhor para usufruir o luxo se por vezes tivermos a sorte de o encontrar, e faz-nos intrépidos face à fortuna.
Quando dizemos que o prazer é o fim, não queremos dizer o prazer do extravagante ou o que depende da satisfação física — como pensam algumas pessoas que não compreendem os nossos ensinamentos, discordam deles ou os interpretam malevolamente — mas por prazer queremos dizer o estado em que o corpo se libertou da dor e a mente da ansiedade. Nem beber e dançar continuamente, nem o amor sexual, nem a fruição de peixe ou seja o que for que a mesa luxuosa oferece gera a vida agradável; ao invés, esta é produzida pela razão que é sóbria, que examina o motivo de toda a escolha e rejeição, e que afasta todas aquelas opiniões através das quais a mente fica dominada pelo maior tumulto. [...]
Medita nestes preceitos e noutros como estes, de dia e de noite, sozinho ou com um amigo da mesma opinião. Então nunca terás receio, de dia ou de noite; mas viverás como um deus entre os homens; pois a vida no seio de bem-aventuranças imortais não é de modo algum como a vida de um mero mortal."

quinta-feira, 10 de março de 2011

Foi no mar que aprendi

"As Três Graças" Museu Arqueológico de Antalya, Turquia


Foi no mar que aprendi o gosto da forma bela

Ao olhar sem fim o sucessivo

Inchar e desabar da vaga

A bela curva luzidia do seu dorso

O longo espraiar das mãos de espuma


Por isso nos museus da Grécia antiga

Olhando estátuas frisos e colunas

Sempre me aclaro mais leve e mais viva

E respiro melhor como na praia


Sophia de Mello Breyner Andresen

Geração à rasca

Nos inícios da década de 1970, em Portugal, frequentavam o ensino superior menos de 30 000 estudantes. No ano lectivo 2001/02 eram 400 000. Passámos de uma situação de emprego garantido e bem remunerado para um emprego não garantido e que pode ser bem ou mal remunerado. À rasca estavam os 370 000 que nos inícios da década de 1970 não tiveram acesso ao ensino superior.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Solidariedade europeia

Ouvimos, todos os dias, comentários acerca das medidas de austeridade adoptadas pelo governo. A posição mais cómoda e mais facilmente aplaudida (todos nós preferimos ouvir aplausos a ouvir apupos) é de frontal oposição. Uma posição um pouco mais sensata será dizer que é preciso fazer algo, inclusive implementar medidas de austeridade, desde que essas medidas só afectem os outros. Também se ouve dizer que a culpa é da moeda única e, sendo muito poucos, há quem preconize que Portugal saia do euro e adopte de novo o escudo como moeda. De facto, se a nossa moeda fosse o escudo o problema económico que está a acontecer resolvia-se facilmente com a desvalorização da moeda. No passado isso aconteceu. O que representa desvalorizar a moeda? Representa, fundamentalmente, tornar os produtos importados mais caros para nós e os produtos exportados mais baratos para os estrangeiros. Como consequência, inevitavelmente, implicará um aumento da taxa de inflação e um aumento das taxas de juro. O que é que isso implicaria para nós? O dinheiro que possuímos passaria a valer menos! De facto, seria uma forma camuflada de reduzir os nossos ordenados. Quem tem um empréstimo bancário a pagar, seria duplamente prejudicado: passaria a ganhar menos e passaria a ter de pagar mais ao banco pelo empréstimo contraído. Não tenho qualquer dúvida: abandonar a moeda única (euro) ainda iria piorar a nossa situação.

Podemos arranjar um bode expiatório para o que está a acontecer. Quanto mais perto esse bode expiatório estiver de nós, melhor: assim, estando próximo, está à mão de semear – até lhe poderemos dar umas surras ou, pelo menos, encostar-lhe um megafone aos ouvidos. De facto, o cerne da questão não está em Portugal mas na Europa e no euro. Não estou a dizer que a Europa é que tem de resolver os nossos problemas mas sim que temos de olhar para mais longe – e não só para o nosso quintal – para percebermos o que nos está a acontecer.

Está a acontecer um ataque especulativo à zona euro. Esse ataque tem começado pelos elos mais fracos: Grécia, Irlanda e, a seguir, posiciona-se Portugal. Esse ataque tem surtido efeito porque a solidariedade europeia não tem sido suficiente. Mas para se conseguir uma maior solidariedade, nomeadamente da Alemanha, é necessário que os alemães não sintam que estão a querer usar a riqueza por eles gerada para que outros levem uma vida melhor do que a deles. Por exemplo, como é possível obter solidariedade dos alemães para com um país onde a idade de reforma é inferior à deles? Para se conseguir a necessária solidariedade europeia é preciso estabelecer regras comuns que todos sejam obrigados a cumprir. Há dias, foi publicado no Finantial Times um artigo da autoria de Guy Verhofstadt, Jacques Delors e Romano Prodi onde esta questão é colocada muito claramente. Trata-se de aprofundar a União Europeia – creio que, de facto, a União Europeia está a precisar de um aprofundamento e não de um alargamento. O que se não pode é clamar pela solidariedade da Europa para connosco e rejeitar regras comuns intitulando-as como ingerência nos assuntos internos e de perda de soberania nacional. Eu aposto, sem hesitar, em Mais Europa.

Festival d'Angoulème

No Festival International de Bande Dessinée - 2011, realizado em Angoulème, o prémio do melhor álbum foi atribuído a "Cinq mille kilomètres par seconde", da autoria do italiano Manuele Fior (35 anos). No Brasil, chamam à banda desenhada quadrinhos. Nome muito apropriado para o que constitui a 9ª arte.

No site Neuvieme-art.com pode encontrar-se um resumo do conteúdo do álbum:

L’histoire d’amour entre Piero et Lucia, que l’on retrouve à différents moments de leur vie dans Cinq mille kilomètres par seconde, se présente comme le portrait d’une certaine génération : celle qui, instable et sans repère, se trouve aujourd’hui dans la trentaine. Séduite par des milliers de modèles de vie possibles, elle ne sait en trouver un qui lui convienne. En le cherchant, elle s’aventure dans le monde, emprunte de nouveaux chemins, et s’égare. L’amour, idéalisé par l’éloignement, trompé par l’illusion de moyens de communication de plus en plus rapides, se transforme, s’épuise, et révèle alors la cruauté de son visage.

Sous des auspices intimistes, Cinq mille kilomètres par seconde est un ouvrage ambitieux qui nous promène dans le monde et dans le temps. Cette fresque introspective est illuminée par les aquarelles à couper le souffle d’un Manuele Fior qui atteint ici une maturité graphique impressionnante.

segunda-feira, 7 de março de 2011

O Mito do Minotauro

Representação do Minotauro num vaso ático de 515 a.C.

Minos fez um pedido a Poseidon, deus dos mares, para que o ajudasse a tornar-se rei de Creta. Poseidon aceitou mas colocou como condição que Minos sacrificasse um touro que sairia do mar. O touro que saiu do mar era tão bonito que o rei Minos ficou com ele e sacrificou um outro no seu lugar. Poseidon apercebeu-se disso, ficou furioso e resolveu castigá-lo. Fez com que Pasífae, esposa do rei Minos, se apaixonasse pelo touro. Dessa união nasceu o Minotauro (touro de Minos). O rei Minos pediu a Dédalo (pai de Ícaro) que construísse um grande labirinto donde o Minotauro não conseguisse sair. Por os atenienses terem morto Androceu, filho do rei Minos, durante a guerra entre cretenses e atenienses, que foi ganha pelo rei Minos, este obrigou os atenienses a, todos os anos, enviarem sete rapazes e sete raparigas para serem devorados pelo Minotauro. No terceiro ano, Teseu – filho do rei Egeu de Atenas – ofereceu-se para integrar o grupos de jovens a ser sacrificado, com o intuito de ir a Creta matar o Minotauro. Quando Teseu chegou a Creta, Ariadne, filha do rei Minos, apaixonou-se por ele e quis ajudá-lo. Entregou-lhe um novelo de lã para que Teseu pudesse marcar o caminho percorrido para que não se perdesse no labirinto. Teseu consegue matar o Minotauro com a espada que Ariadne lhe tinha dado e sair do labirinto seguindo o caminho marcado com o fio de lã.

Teseu e Ariadne embarcam para se dirigirem para Atenas. Pelo caminho, Teseu abandonou Ariadne na ilha de Naxos. Mais tarde, Ariadne viria a casar com Dionísio, deus do vinho. Ao aproximar-se de Atenas, esqueceu-se de içar a vela branca – sinal combinado com seu pai como sinal de vitória sobre o Minotauro. O rei Egeu ao ver o barco com a vela negra, pensou que o seu filho tinha morrido e suicidou-se atirando-se ao mar que ficou, a partir daí, conhecido por mar Egeu.

domingo, 6 de março de 2011

Charles Baudelaire

L'invitation au voyage

Mon enfant, ma soeur,
Songe à la douceur
D'aller là-bas vivre ensemble!
Aimer à loisir,
Aimer et mourir
Au pays qui te ressemble!
Les soleils mouillés
De ces ciels brouillés
Pour mon esprit ont les charmes
Si mystérieux
De tes traîtres yeux,
Brillant à travers leurs larmes.

Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.

Des meubles luisants,
Polis par les ans,
Décoreraient notre chambre;
Les plus rares fleurs
Mêlant leurs odeurs
Aux vagues senteurs de l'ambre,
Les riches plafonds,
Les miroirs profonds,
La splendeur orientale,
Tout y parlerait
À l'âme en secret
Sa douce langue natale.

Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.

Vois sur ces canaux
Dormir ces vaisseaux
Dont l'humeur est vagabonde;
C'est pour assouvir
Ton moindre désir
Qu'ils viennent du bout du monde.
— Les soleils couchants
Revêtent les champs,
Les canaux, la ville entière,
D'hyacinthe et d'or;
Le monde s'endort
Dans une chaude lumière.

Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.

O CONVITE À VIAGEM

Minha doce irmã,
Pensa na manhã
Em que iremos, numa viagem,
Amar a valer,
Amar e morrer
No país que é a tua imagem!
Os sóis orvalhados
Desses céus nublados
Para mim guardam o encanto
Misterioso e cruel
Desse olhar infiel
Brilhando através do pranto.

Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.

Os móveis polidos,
Pelos tempos idos,
Decorariam o ambiente;
As mais raras flores
Misturando odores
A um âmbar fluido e envolvente,
Tectos inauditos,
Cristais infinitos,
Toda uma pompa oriental,
Tudo aí à alma
Falaria em calma
Seu doce idioma natal.

Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.

Vê sobre os canais
Dormir junto aos cais
Barcos de humor vagabundo;
É para atender
Teu menor prazer
Que eles vêm do fim do mundo.
— Os sanguíneos poentes
Banham as vertentes,
Os canis, toda a cidade,
E em seu ouro os tece;
O mundo adormece
Na tépida luz que o invade.

Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.