sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Viagem a Portugal

Portugal, país de gente cruel, racista, vigarista e hipócrita. É este o retrato que o filme “Viagem a Portugal” dá do nosso país.

O filme conta a história de uma ucraniana que é impedida de entrar em Portugal porque a polícia a tomou por uma prostituta, talvez por viajar muito embonecada. Maria – é o nome da cidadã ucraniana – apenas fala russo e conhece algumas palavras em francês. Estamos no fim da tarde do dia 31 de Dezembro de 1998 e não há nenhum tradutor. Gera-se um diálogo de surdos. Maria sente-se envolvida num processo kafkiano por não compreender de que a acusam. Ainda por cima é médica e, por isso, se considera acima de qualquer suspeita. É revistada pormenorizadamente, já que chega a haver a suspeita de que poderá trazer droga consigo. Maria sentiu como uma humilhação, a forma como foi revistada. Surge então o seu marido que a tinha ido esperar ao aeroporto. É um senegalês que estudou medicina com Maria na antiga União Soviética. Sim, é negro. As suspeitas de imigração ilegal aumentam. O marido de Maria é algemado sem um motivo suficientemente forte. Maria dorme numa cela de detenção. Um pesadelo!

A história que é contada baseia-se em factos reais. Relativamente ao que aconteceu há a distinguir 3 versões:

1-O que de facto sucedeu

2-A forma como Maria interpretou os factos

3-A forma como a polícia interpretou os factos.

Quando menor a comunicação entre os intervenientes, mais diferentes serão aquelas versões. E neste caso a comunicação foi muito, muito escassa.

Creio que o realizador tentou mostrar que, durante o interrogatório a que a inspectora da polícia sujeitou Maria havia, pelo menos, dois pontos de vista. Para isso, utilizou sequências de plano, contra-plano, isto é: após um diálogo em que a câmara mostrava o rosto da inspectora, o diálogo foi repetido mas passando o espectador a ver apenas o rosto de Maria. Só que, para mostrar que havia duas leituras para os mesmos factos, deveriam os actores, ao mudar o plano, dar uma entoação diferente às mesmas palavras.

Quaisquer que tenham sido as intenções do realizador, o que conseguiu foi produzir um filme que não deixa margem para duas leituras. Afinal só nos é contada uma versão dos factos: a versão que está de acordo com o que Maria sentiu. E, no filme os portugueses assumem apenas atitudes negativas. A única pessoa que tem uma palavra de compreensão para com Maria é o tradutor ucraniano que é chamado no dia seguinte ao da chegada. Segundo o filme, os portugueses são cruéis, racistas, vigaristas e hipócritas. Cruéis porque nenhum português mostra compreensão relativamente ao drama que Maria e o marido estão a viver. Racistas porque o facto de o marido de Maria ser negro só vem fazer piorar a sua situação. Vigaristas porque o funcionário da agência de viagens tem uma conduta muito duvidosa. Hipócritas porque por trás dos apregoados brandos costumes se escondem uma crueldade e uma violência psicológica extremas.

De destacar a bela fotografia a preto e branco de Edgar Moura que em muito contribui para a eficácia da mensagem transmitida.

Também destaco as extraordinárias interpretações de Maria de Medeiros e de Isabel Ruth.

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