quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A Grécia de Sophia II

"Não tento descrever-lhe a Grécia nem tento dizer-lhe o que foi ali a minha total felicidade. Foi como se eu me despedisse de todos os meus desencontros, todas as minhas feridas e acordasse no primeiro dia da criação num lugar desde sempre pressentido. Sobre a Grécia só o Homero me tinha dito a verdade: mas não toda. (...) Sob o sol a pique, numa claridade azul indescritível, o ar é tão leve que nos torna alados e o menor som se recorta com uma inteira nitidez. As enormes e constantes montanhas povoam tudo de solenidade. Cheira a resina e a mel e há uma embriagez austera e lúcida (...) Gostaria de lhe contar tudo o que vi, desde o sabor espantoso do vinho com resina que me entonteceu logo na primeira noite da minha chegada, até à água gelada que bebi num dia de calor intenso nas montanhas de Delfos. Mas sinto que só sei falar mal disto tudo.

Aqui minha fala se quebra como a quem
Viu em sua frente um deus visível
E vai sem imaginação, perdidas as palavras
No real indicível
O que há de extraordinário ali é que o mistério é a luz do sol. Na Acrópole ao meio-dia, com o sol a pino, toda a gente fala em voz baixa. Os próprios turistas, tão exuberantes em Itália, ficam transformados.
(...) Será possível que eu lá volte? Assim espero. E de todo o coração desejo que voçê um dia lá possa ir. Pois o que ali há, além de tudo o mais, é uma intensa felicidade de existir que nos lava de tantas feridas." (carta de Sophia a Jorge de Sena , Maio de 1964)

"Apoderou-se de mim uma fúria de viajar. Mas acima de tudo queria voltar à Grécia que foi para mim o deslumbramento inteiro e puro e onde me senti livre e com asas. A felicidade grega, a felicidade do mundo objectivo, sem a menor mancha de caso pessoal, é qualquer coisa de imaginável e da qual só o Homero dá uma ideia." (carta de Sophia a Jorge de Sena, novembro de 1964) 

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