Eugénio de Andrade, por Bottelho
"Claro que deve ensinar-se a ler poesia. E quem a ensina pode começar por prevenir que não se comem silabas aos versos, porque são altamente venenosas. Um poema, como Paul Valery escreveu (Cahiers, II, Pléiade, pág. 1065), é uma longa hesitação entre som e sentido. Conta e Canta, dizia outro poeta, António Machado. Portanto, a sua leitura deve fazer-se em voz alta, porque todas aquelas palavras aguardam uma voz para tomarem forma e figura. Voz que terá em conta o que é inerente ao próprio poema: tom, ritmo, acenos, pausas e até dissonâncias. Depois, sem a menor ênfase, como quem fala de amigo, quem lê deve deixar-se levar por essa música, "pura delícia sem caminho"."
(Revista Relâmpago. A poesia no ensino. 2002, p.11-14)
"pura delícia sem caminho" é uma citação de Mallarmé:
Ô rêveuse, pour que je plongeAu pur délice sans chemin,
Sache, par un subtil mensonge,
Garder mon aile dans ta main.
Une fraîcheur de crépuscule
Te vient à chaque battement
Dont le coup prisonnier recule
L'horizon délicatement.
Vertige ! voici que frissonne
L'espace comme un grand baiser
Qui, fou de naître pour personne,
Ne peut jaillir ni s'apaiser.
Sens-tu le paradis farouche
Ainsi qu'un rire enseveli
Se couler du coin de ta bouche
Au fond de l'unanime pli !
Le sceptre des rivages roses
Stagnants sur les soirs d'or, ce l'est,
Ce blanc vol fermé que tu poses
Contre le feu d'un bracelet.
Ó sonhadora, para que eu mergulhe,
Na pura delícia sem caminho,
Sabe, por uma subtil mentira,
Conservar minha asa em tua mão.
Um fervor de crepúsculo,
Chega a ti a cada batida,
Cujo golpe prisioneiro recua
O horizonte delicadamente.
Vertigem! Eis que estremece,
O espaço como um grande beijo
que louco por nascer para ninguém
Não pode jorrar nem sossegar.
Sentes o paraíso bravio
Como um riso enterrado
Escorrer do canto de tua boca
No fundo da unânime prega!
O cetro das margens róseas
Estagnantes sobre os entardeceres de
ouro, o é,
Este branco vôo fechado que tu
pousas,
Contra o fogo do bracelete.
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