No Diário de Notícias, João Lopes recorda o filme “Pedro o Louco” de Jean-Luc Godard, um dos realizadores da Nouvelle Vague. Também integrados neste movimento, há a destacar: François Truffaut, Alain Resnais, Claude Chabrol, Éric Rohmer e Jacques Rivette. Destes, creio que, com excepção de Alain Resnais, todos pertenciam aos Cahiers du Cinema. E estes críticos de cinema, no fim dos anos 50, inícios de 60, passaram a mostrar como entendiam que se devia fazer cinema. Passo corajoso, já que é sempre mais difícil fazer bem do que dizer o que foi mal feito. Surge um cinema experimental, polémico, amoral, revolucionário, em que são utilizados recursos escassos. Apesar de não ser uma característica deste movimento, às vezes tenho saudades dos longos diálogos, com discussões mais ou menos filosóficas, contidos em alguns daqueles filmes. Conheci este tipo de cinema quando, entre 1971 e 1974, pertenci ao Cine Clube do Porto. Recordo-me de ter visto muitos filmes da Nouvelle Vague, nas sessões que decorriam no Cinema Batalha aos domingos às 11 horas da manhã. Comecei por estranhar ver cinema de manhã mas passei a não dispensar aquela ida ao cinema. Ao domingo tinha de me levantar relativamente cedo mas era por uma boa causa.
Sobre Pierrot le fou, um muito bom texto de Maria João Madeira:
Godard pegou no romance policial de" Lionel White L 'Obsession, em Jean-Paul Belmondo (Ferdinand/Pierrot) e Anna Karina (Marianne Renoir) e pô-los anarquicamente em fuga na direcção do mar como uma espécie de último casal romântico. O filme não segue naturalmente o livro. Nunca assim acontece com os filmes de Godard que já na altura entendia o argumento ponto de partida para um trabalho de liberdade, em que à acção se sobrepusessem as palavras (diálogos, leituras, canções, inscrições nos fotogramas), às imagens os sons, colocando o cinema (e também a política, que o cinema é político segundo ele acreditou) no centro da questão. Neste sentido, Pierrot le Fou (...) é um filme bastante livre.
Narrativamente, questionando o sentido de uma relação entre um homem e uma mulher. Formalmente, à procura de sentidos visuais. No fundo, a passagem do livro de arte Ferdinand lê na banheira no princípio do filme anuncia o programa de Pierrot: "Depois de chegar aos 50 anos, Velasquez já não pintava nada de concreto e preciso. Vagueava pelo mundo material, penetrava-o, como o fazem o ar e o crepúsculo...”
Pierrot não segue uma ordem canónica. Se a "história" é apesar de tudo tradicional (dois amantes que se encontram e se separam, vendo-se entretanto envolvidos num enredo policial onde cabem traficantes de armas, complots e assassínios), a forma de a “contar”, pelo contrário, procede por interrupções, foras de campo ou pela alteração da ordem temporal dos acontecimentos através da montagem. Há vários níveis de leitura, a interferência fragmentária de elementos de ordem diversa. Por exemplo, os planos de pintura ou de banda desenhada ou de palavras. Por exemplo, a aparição a dada altura de um figurante que chega, se apresenta e parte, sem que se saiba de onde veio nem para onde vai, ou o plano em que Ferdinand se vira para a. câmara e se dirige explicitamente ao espectador, como explica a Marianne.
Para além das "pausas", os contrastes são permanentes, também ao nível das cores, sobretudo o azul e o vermelho sempre presentes, marcados pelo imaginário da pop arte. O contraste começa logo na caracterização das duas personagens principais que em resumo se podem definir em termos de contemplação (Ferdinand) e de acção (Marianne). É mais do que neles, no espaço e no tempo que impossibilitam o entendimento entre eles que Pierrot se detém. Afinal, nem conseguem concordar no nome dele... a cada vez que ela lhe chama Pierrot (incitando o seu lado aventureiro?) ele responde, “o meu nome é Ferdinand" (afirmando a sua condição de intelectual?). Afinal, ela preocupa-se mais com a linha da sorte e ele com a da anca dela. É ouvir as canções, as histórias que contam um ao outro e tudo se percebe. É olhar os planos e a explosão final fará tanto sentido como a desconcertante última tirada de Belmondo: "Après tout, je suis idiot, merde, merde".
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