domingo, 19 de junho de 2011

Léah

Disse José Saramago que nas escolas, em vez do “Memorial do Convento”, devia ser estudado o livro “A Escola do Paraíso” de José Rodrigues Miguéis (JRM).

Perante tal declaração, era urgente ler JRM. O livro que consegui foi “Léah e Outras Histórias”. Já li o conto Léah e gostei muito. O início do conto é magnífico: “Lembro perfeitamente a tarde quieta em que parei à porta da pensão, para tomar um quarto sem refeições: Chambre à louer”. Nesta primeira frase transparece a serenidade e a fluidez que presidem à narrativa. Gostei em particular da forma como JRM nos revela Léah. No início não sabemos se Léah é homem ou mulher. Ficamos a saber que é empregada da pensão na 6ª página de um conto com 29 páginas. A descrição de Léah surge na 9ª página:

“Nessa altura vireime para ti, Léah, e vite: pela primeira vez. A luz das janelas davate em cheio na cara, e reparei que eras bonita, nova e séria. A tua boca entreaberta de espanto, viva e carnuda, mostrava os dentes brancos, delicadamente implantados; os teus olhos redondos, límpidos, cinzentos, miravam com sincero horror a desordem do quarto; os teus seios, fortes e salientes, ainda arquejavam da carreira em que tinhas subido; e no teu pescoço, branco e solidamente afeiçoado, havia um refego delicado e viase latejar uma artéria. Os teus cabelos eram ondulados e dum louroqueimado; e eras quase da minha estatura, rosada, fresca e reluzente como um grande fruto. Tinhas a cintura estreita, e as tuas ancas alargavamse numa curva criadora e firme.”

Acerca de JRM, António José Saraiva escreveu em “Iniciação na Literatura Portuguesa”:

“Mas o seu mundo tem uma comunicabilidade humana que Eça não conheceu, porque não é visto com olho permanentemente crítico, antes com simpatia e comunhão, embora com uma certa distância humorística. Ninguém como ele sabe evocar a Lisboa do princípio do século (XX)…”

Nas notas biográficas contidas na contra-capa do livro "Léah e Outras Histórias" pode ler-se que viveu entre 1901 e 1980, foi Presidente da Segunda Liga da Mocidade Republicana e director do semanário Globo (com Bento de Jesus Caraça); em 1935 expatriou-se para os Estados Unidos, onde viveu até à sua morte, salvo uns quatro períodos de cerca de dois anos cada.

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