quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Sexo não é trabalho


"O anúncio, que vi na SIC Notícias, tem por título "Direitos iguais". No ecrã dividido em dois, apresentam-nos a Júlia e a Ana, duas mulheres em movimento.
O texto que acompanha as vidas dinâmicas de Júlia e Ana diz o seguinte: «As duas têm direito ao trabalho. O direito a boas condições de trabalho. O direito ao respeito. O direito a um pagamento justo. O direito de escolher e recusar clientes. O direito à segurança».
Na última imagem, a Júlia segreda, rindo, ao ouvido de um homem e a Ana desenrola um papel sobre um estirador. O texto explica: «A Júlia é trabalhadora do sexo. A Ana é arquitecta».
O ‘trabalho’ do sexo é representado por cumplicidades e gargalhadas; muito menos enfadonho, nesta demonstração, do que o solitário trabalho da Ana, realizando projectos de arquitectura.
A frase final do anúncio é a seguinte: «Trabalho sexual é trabalho».
Em letras minúsculas, só passíveis de leitura quando se coloca o ecrã em pausa, encontra-se o seguinte texto: «A realização deste vídeo foi possível através do projecto Indoors, com o apoio financeiro do Programa Daphne III da Comissão Europeia. Os conteúdos deste vídeo são da exclusiva responsabilidade do autor e não podem ser considerados uma tomada de posição oficial da Comissão Europeia».
Seguem-se, muito mais legíveis, os logotipos da apdes (Agência Piaget para o Desenvolvimento), do Indoors, do programa Daphne (um programa da União Europeia para combater a violência contra mulheres e crianças), da União Europeia e da Sic Esperança (projecto de solidariedade das empresas do universo SIC, que tem o estatuto de Instituição Privada de Solidariedade Social).
Não, o trabalho da Júlia não é igual ao trabalho da Ana. Vender o corpo a um cliente não é a mesma coisa que vender-lhe um projecto de arquitectura.
O sexo é a mais íntima das trocas humanas, não pode ser considerado um ‘produto’: quem entrega o corpo a troco de dinheiro perdeu o respeito por si mesmo, pela expressão dos seus afectos, pelo seu prazer.
Perde algo de essencial da sua condição humana.
O respeito por quem se prostitui deve consistir na oferta de alternativas a esse modo de sobrevivência. A prostituição é, sempre, uma forma de violência.
Pessoalmente, não acredito em ‘prostituição consentida’, como não acredito na felicidade dos bombistas suicidas: parece-me evidente que estas actividades são respostas violentas a uma violência fundamental e fundadora.
Estranho que a União Europeia, a agência Piaget para o desenvolvimento e a SIC Esperança patrocinem a ideia de que vender sexo seja igual a vender desenhos de casas e jardins. Não é: ‘trabalho sexual’ é a expressão politicamente correcta para esconder o abuso implícito na palavra ‘prostituição’.
Se um museu quiser fazer um anúncio na SIC contará com o apoio da SIC Esperança, e da Agência Piaget, e da Comissão Europeia? Pois é. Trabalho cultural é trabalho contra a violência. Sexo pago, não."
Inês Pedrosa, crónica publicada no jornal Sol de 8 de fevereiro de 2013.

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