quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Entre mortos e vivos

Excertos do artigo da autoria de Inês Pedrosa publicado na revista Ler de Dezembro de 2011.

“Safo-me razoavelmente bem do ritual de humilhação colectiva agora vigente em Portugal a que parece ser moda chamar “realidade”. Temo a loucura normal, feita de habituação ao infortúnio, acatamento e lobotomia. Vejo muita gente encolhida, escravizada ao discurso do dinheiro, encharcada em álcool, comprimidos ou trabalho (o trabalho transforma-se em droga dura) para não pensar que a vida é demasiado breve para ser a merda que nos querem fazer crer que ela é.* Os moralistas do papel almaço ressuscitam um salazarismo em versão Armani e ensinam aos filhos que o importante é a esperteza de serem ricos.”

“Portugal é demasiado velho para se tornar um puto neoliberal carregado do pestilento acne do individualismo triunfante. Já nem na América se usa este ambiente de bordel sem luxúria.”

“No livro da Tatiana**, a paixão acontece de repente e muda passado e futuro num sopro. É de facto assim mas poucos são capazes de ver. Atordoam-se. Organizam-se. Despedaçam-se no escuro. A luz assusta – poucos a distinguem, no carrossel dos néones. “O lume que acendia enchia a sua casa de fumo, não a iluminava de luz”, escreve Abelardo na História Calamitatum que é o relato, na primeira pessoa da sua vida. O amor por Heloísa perdeu-o e salvou-o, isto é, permitiu-lhe perceber a diferença entre as variedades da luz e do lume. E nada mais há para perceber nesta vida.”

* Sublinhado meu

** Dois Rios de Tatiana Salem Levy


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