Foto de Adam Butler
O barco avança através de uma espessa
neblina. A luz do dia é escassa e o frio entranha-se no corpo. Sente-se o
cheiro forte a maresia e ouve-se o som dos cagarros. Não há qualquer dúvida:
aproximamo-nos de terra. Depois de tantos e tantos dias nas certezas do mar alto,
surge a dúvida: como será a estadia naquela ilha? Uma certeza: vou encontrar a
natureza em atividade frenética. Estamos no início da primavera e Perséfone já está de novo nos braços de sua
mãe.
O vento mudou de direção e a neblina
dissipa-se. Já se avista, na linha do horizonte, o perfil montanhoso da ilha. A
brisa está forte e o barco avança rapidamente. A ilha é uma mancha escura onde
pousaram as estrelas. Avisto os primeiros rochedos, negras pupilas contornadas
por íris latejantes de alva espuma. Ao fundo, eleva-se uma parede vertical de
rocha vulcânica, qual muralha de castelo flutuante. Lá no alto, a inspiradora
Vénus espera uma oportunidade para abençoar o amor.
O dia começa a clarear e vêem-se já
linhas de fumo agarradas a pequenas casas. Sinto o cheiro a cedro queimado. Ali,
ao centro, três altas araucárias alinhadas, mastros deste navio que, sem
descanso, navega no mar. Ouve-se o desassossego matinal dos bandos de pássaros nos
verdes prados de cabelo arrepiado pela forte brisa primaveril. Aos primeiros
raios de Sol, brilha intensamente a camada de orvalho que cobre o extenso manto
vegetal. A serenidade fecunda da natureza emite notas musicais e pode ouvir-se
“De povos e terras distantes” de Robert Schumann. Mesmo na minha frente, um
ribeiro, engrossado pelas chuvas dos últimos dias, desce apressado do alto da
montanha até aos terrenos quase planos que ficam junto ao mar onde, o seu
percurso, é marcado pela guarda de honra dos ulmeiros. Sobre a esquerda, à
entrada do bosque de cedros, um pequeno grupo de cavalos selvagens comem
petúnias multicolores que cobrem o terreno. Eis que surge um a galopar, logo
seguido de outro, longas crinas voando livremente ao sabor do vento. Um
milhafre solitário voa em largos círculos, coroando a beleza da paisagem. Sinto
vontade de mergulhar nesta terra. Se, como disse Diotima, o amor é uma
aspiração e uma iniciação no Belo e no Bem, então, eu quero amar esta ilha. Aqui
há vida antes da morte!
Depois do barco amarrado ao cais, salto para terra. O chão debaixo dos meus pés vacila. O mar é mais firme do que esta terra devastadoramente fascinante.
Depois do barco amarrado ao cais, salto para terra. O chão debaixo dos meus pés vacila. O mar é mais firme do que esta terra devastadoramente fascinante.
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