sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A única sabedoria digna desse nome

"Morte de Séneca", de Rubens (Museu do Prado)

Inês Pedrosa no jornal Sol de hoje:

“Na era das redes sociais, a dignidade individual parece mercadoria de saldo.

Olha-se para o outro como para mais uma coisa a usar e descartar, um elemento lúdico ou decorativo, um saco de boxe no qual se descarregam as tensões e frustrações, tornadas endémicas pela aceleração da vida.

Os medos teletransportam-se do mundo real para o virtual, transfiguram-se em mísseis de ataqueou troféus de competição. Ninguém quer, como Séneca recomendava a Lucílio, entregar-se à sua verdade, ao culto demorado dos afectos partilhados e à alegria deste frugal modo de vida que constitui a única sabedoria digna desse nome.”

A propósito, excerto de “Cartas a Lucílio” da autoria de Séneca:

A alegria pode sofrer interrupções no caso de pessoas ainda insuficientemente avançadas, enquanto, no caso do sábio, o bem estar é um tecido contínuo que nenhuma ocorrência, nenhum acidente pode romper; em todo o tempo, em todo o lugar o sábio goza de tranquilidade! Porquê? Porque o sábio não depende de factores externos, não está à espera dos favores da fortuna ou dos outros homens. A sua felicidade está dentro dele; fazê-la vir de fora seria expulsá-la da alma, que é onde, de facto, a felicidade nasce! Pode uma vez por outra surgir qualquer ocorrência que lembre ao sábio a sua condição de mortal, mas ocorrências deste tipo são de somenos importância e não o atingem mais do que à flor da pele. O sábio, insisto, pode ser tocado ao de leve por um ou outro contratempo, mas para ele o sumo bem permanece inalterável. Volto a dizer que lhe podem ocorrer contratempos provindos do exterior, tal como um homem de físico robusto não está livre de um furúnculo ou de uma ferida superficial; em profundidade, porém, não há mal que o atinja.

A diferença existente, insisto ainda outra vez, entre o homem que atingiu a plenitude da sabedoria e aquele que ainda lá não chegou é a mesma que se verifica entre um homem são e um convalescente de doença grave e prolongada. Para este a diminuição da intensidade da doença já quase significa saúde mas, se não se precaver, o mal rapidamente se agrava e volta à primitiva forma; o sábio, em contrapartida, nem pode retroceder, nem sequer avançar mais na via da sapiência. A saúde do corpo está à mercê do tempo e o médico, se a pode restituir, não a pode garantir perpetuamente, e tanto assim é que com frequência o mesmo doente o volta de novo a chamar; a saúde da alma, essa - obtém-se de uma vez por todas - e totalmente! Dir-te-ei agora o que significa uma alma sã: é cada um contentar-se consigo mesmo, ter confiança em si próprio, saber que todos os votos feitos pelos homens, todos os benefícios que trocam entre si não têm a mínima importância para a obtenção da felicidade. Uma coisa passível de acréscimo não é uma coisa perfeita; o homem que quer vir a possuir uma permanente alegria, tem de fruir apenas do que efectivamente lhe pertence. Ora todos os bens a que o comum dos mortais aspira são, de uma forma ou outra, transitórios, pois de coisa alguma a fortuna nos permite a posse para sempre.”

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