terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Linguagem vernacular

"Imbecilmente sublime, disse Marx", de Jorge Fiel:
"Como é hábito na nossa terra, ao mínimo descuido recorro ao calão e tenho especial apreço pelo insulto, uma disciplina elevada à categoria de arte pelo capitão Haddock.
Da fabulosa colecção de insultos do velho marinheiro, destaco aqui alguns avulso, como analfabeto diplomado, astronauta de água doce, apache, cataplasma, flibusteiro, protozoário (acho delicioso insinuar que alguém é um ser unicelular, sem funções diferenciadas) e troglodita - um insulto que o professor Marcelo adora usar.
"Sua badalhoca! Não te lavas por baixo", foi o mais espectacular insulto que ouvi, algures nos anos 80, numa briga entre mulheres na Ribeira.
A arte do insulto não é um exclusivo de personagens de banda desenhada ou mulheres arreliadas. Também é declinada por políticos ilustres.
"Vadio grotesco, desajeitadamente manhoso, velhacamente ingénuo, imbecilmente sublime, superstição premeditada, paródia patética, anacronismo inteligentemente estúpido, palhaçada histórico-mundial, hieróglifo indecifrável" foi o comentário escrito por Karl Marx a propósito da esmagadora vitória de Luís Napoleão nas presidenciais francesas de 1848.
Entre nós, o "vá para a puta que o pariu", cuspido a Francisco Sousa Tavares por Raul Rego, e registado no Diário da Assembleia da República de 19 Março 1980, soa cru e brutal, mas a altercação valeu pela resposta do marido de Sophia: "O senhor é um escarro moral".
Um insulto pode ser voluntário e Scut (ou seja, sem consequências), como foi o caso do cabo da GNR que mandou "prò caralho" o sargento que lhe recusou uma troca de turno e foi absolvido pela Relação de Lisboa, que lhe perdoou a virilidade verbal.
Um insulto pode ser involuntário e portajado (ou seja, ter consequências), como está a ser o caso do presidente da República que faltou ao respeito de 9,9 milhões de portugueses ao queixar-se que os dez mil euros que recebe por mês não lhe vão chegar para as despesas.
Cavaco arrependeu-se e ficou desorientado, como se vê pelo facto de ter tentado emendar a mão através de um circunspecto comunicado à Lusa, em vez dos habituais e modernaços posts no Facebook.
Compreende-se que ele queira controlar os danos e virar as atenções para outro lado. Mas, caramba, ele e a sua rapaziada deviam ter aprendido alguma coisa com aquela barraca das escutas a Belém inventadas no Verão de 2010 em benefício do "Público".
Pior que o insulto involuntário é tentar encobri-lo pondo "fontes da Presidência" a jorrar uma intriga de meia-tigela que no fim-de-semana fez as primeiras páginas do "Expresso" ("Cavaco contra Estado mínimo de Passos Coelho") e do "Público" ("Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia"), baseadas naquilo que Marcelo apelidou, com graça, "cavaquistas anónimos".
A um PR exige-se mais profissionalismo e competência. Em tudo. Até nas manobras de intoxicação e contra-informação."

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