Excertos do texto de Anselm Jappe, publicado no suplemento Actual, do Expresso de ontem:
A crise confronta-nos com o paradoxo fundador da sociedade capitalista: a produção dos bens e serviços não é para ela um objectivo, mas apenas um meio. O único objectivo é a multiplicação do dinheiro, é investir um euro para conseguir dois. Quando este mecanismo entra em falha, é toda a produção real que sofre e que pode mesmo bloquear completamente. Ficamos então como Tântalo que, pelos crimes que cometeu, foi condenado a uma fome e sede eternas, apesar de ter alimento e bebidas aparentemente à descrição.
Não existe nenhuma crise na produção em si, o que já não funciona é o interface que se coloca entre humanos e o que eles produzem: o dinheiro. Teremos armazéns cheios, mas sem clientes, fábricas em condições de funcionar perfeitamente, mas sem ninguém que nelas trabalhe, escolas onde os professores já não se apresentam, porque ficaram durante meses sem salário.
As misérias do mundo devem-se a uma espécie de feitiço que separa os homens dos seus produtos.
Só nas últimas décadas é que chegámos ao ponto de quase toda a manifestação da vida passar pelo dinheiro e este se te infiltrado até aos recantos ínfimos da existência individual e colectiva. Sem o dinheiro, que faz circular as coisas, somos como um corpo sem sangue.
Assistimos a uma desvalorização do dinheiro enquanto tal, à perda do seu papel, à obsolescência.
A substituição do trabalho vivo – a única fonte do valor que, sob a forma de dinheiro, é a finalidade única da produção capitalista – pelas tecnologias, que não criam valor, quase fez secar a fonte da produção de valor. O capitalismo, ao desenvolver, sob a pressão da concorrência, as tecnologias, serrou, a longo termo, o ramo em que estava sentado. A não rentabilidade do emprego de capital só pode ser mascarada com um recurso cada vez mais maciço ao crédito, que é um consumo antecipado dos ganhos esperados para o futuro.
Ninguém pode dizer honestamente que sabe como organizar a vida de dezenas de milhões de pessoas quando o dinheiro tiver perdido a sua função. Seria bom admitir, pelo menos, o problema. É talvez necessário prepararmo-nos para o pós-dinheiro como para o pós-petróleo.
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