Antígona por Frederic Leighton (1830–1896)
"Se
me fosse permitido escolher uma só página da literatura para lançar no espaço
em testemunho da humanidade, escolheria o monólogo de Antígona, de Sófocles".
Claudio Magris citado por Guilherme d'Oliveira Martins (GOM) in Jornal de
Letras de hoje. Depois de citar Claudio Magris, GOM escreve "A referência a
Antígona não é casual, é um símbolo de ligação entre a humanidade e a memória,
entre a justiça e a verdade."
A tragédia: "Logo após a fracassada tentativa dos sete chefes contra Tebas, Creonte, rei de Tebas, decreta que os cadáveres dos inimigos da cidade ficarão insepultos e sem os ritos fúnebres de praxe (na falta deles, a alma dos mortos não seria recebida por Hades). A penalidade estipulada para quem desobedecesse o decreto era a morte.
Polinices, um dos filhos de Édipo e sobrinho de Creonte, estava entre os atacantes; o decreto de Creonte, portanto, aplica-se também a ele. Antígona, revoltada com a ordem do tio, cobre secretamente o corpo do irmão com um pouco de terra e realiza alguns dos rituais que a religião grega preconizava para os mortos.
Descoberta, Antígona confronta Creonte com coragem e altivez, e é condenada à morte. Posteriormente as profecias de Tirésias amedrontam Creonte e ele recua; ordena a imediata libertação da moça, mas ao procurá-la descobre-se que ela, seu filho Hémon e sua esposa Eurídice haviam se suicidado." (in http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0434)
Análise de Jefferson Luiz Maleski (transcrição parcial):
A tragédia Antígona mostra como duas opiniões opostas podem ser corretas
dependendo do ângulo analisado.
Os dois filhos homens de Édipo, Etéocles
e Polinice, morrem em batalha no mesmo dia. Um contra o outro. Um a favor e o
outro contra a cidade de Tebas, que passa a ser governada pelo cunhado de Édipo,
Creonte. Creonte então manda enterrar honrosamente ao primeiro, mas lança uma
lei de que o segundo não seja velado nem sepultado e, por ser um traidor de sua
pátria, quem o fizesse seria igualmente considerado traidor. Acontece que Antígona,
filha de Édipo e irmã dos falecidos, infringe a lei e presta as honras fúnebres
ao morto. Com este gesto é condenada à morte.
Creonte pode ser considerado por muitos
como o tirano na história, mas ele fez o que qualquer governante em seu lugar
faria. Ele homenageou o herói e puniu o traidor. Nada mais justo e legal aos
olhos do estado. E quando Antígona infringiu a lei, mesmo que significasse
punir sua sobrinha e futura nora, não poderia voltar atrás. Considerou que ele
não poderia abrir uma exceção à lei somente pelas súplicas dos seus próximos. A
lei era superior ao rei. “Se eu tolerar os desmandos da minha gente, perderei
autoridade sobre os demais. [...] O insolente, o transgressor das leis, o que
se opõe às autoridades não conte com meu aplauso. A que a cidade conferiu
poder, a este importa obedecer, seja nas grandes questões seja nas justas… e até
nas injustas. [...] Não há mal maior que a anarquia, ela devasta cidades,
arrasa casas, aniquila a investida de forças aliadas”. A desobediência
de Antígona era um ato contra o poder de Creonte, contra as leis do estado,
contra o próprio direito soberano. Creonte foi firme em defender a sua posição,
assim como hoje os governantes são firmes (ao menos em tese) quando aplicam a
lei aos transgressores (outra tese), pois a não punição levaria ao caos e
anarquia.
Por outro lado, Antígona também tinha a
sua razão. Como ela poderia obedecer a lei estatal e desobedecer a lei moral,
religiosa, que mandava prestar homenagens fúnebres aos parentes mortos? A
grande questão era: qual das duas leis teria primazia? Ela escolheu a lei de
seus deuses, de sua moral e de sua religião. Mesmo que isto significasse a
morte. Ela defendeu-se perante Creonte: “Nem eu supunha que tuas ordens
tivessem o poder se superar as leis não-escritas, perenes, dos deuses, visto
que és mortal. Pois elas não são de ontem nem de hoje, mas são sempre vivas,
nem se sabe quando surgiram. Por isso, não pretendo, por temor às decisões de
algum homem, expor-me à sentença divina”. Quantos em toda história da
humanidade não morreram por um ideal? Quantos hoje não morreriam quais mártires
por sua crença, por sua família ou por aquilo que faz parte de sua essência
como humano? Muitos o fariam, assim como Antígona.
Existe outra discussão sobre se os reais
motivos tanto de Antígona quanto de Creonte não seriam políticos. Com os dois
sucessores ao trono mortos (os irmãos de Antígona), o próximo herdeiro foi
Creonte. Da linhagem dos Labdácidas (Laio e Édipo), sobraram somente Antígona e
sua irmã, Ismene. Como Ismene cala-se a respeito do edito real, Antígona com a
sua desobediência, silenciosamente incita o povo contra Creonte. Todos passam a
admirar e concordar com a atitude dela em relação ao seu irmão. Começam a falar
contra o governante. Creonte também pode ter tido a idéia de despoluir Tebas
exterminando os descendentes incestuosos de Édipo, pois estes eram amaldiçoados.
Caso o seu filho Hemon se casasse com Antígona, a maldição continuaria em seus
próprios netos.
Como toda boa tragédia grega, no final
muita gente morre. Mas o importante não é a contagem de corpos, antes, a
discussão sobre grandes temas que envolvem moral, direito, política e
filosofia. Esta discussão ainda faz parte do presente, onde vários pensadores e
críticos tem analisado a obra de diferentes pontos-de-vista.
O monólogo de Antígona:
"Ó meu túmulo e meu tálamo nupcial, ó lar
cavado na rocha que me guardarás prisioneira para sempre! Para aí avanço ao
encontro dos meus, de que Perséfone recebeu já o maior número entre os mortos;
dentre eles, restava eu, em muito a mais perversa; a caminho já vou, antes que
se tivesse cumprido o destino da minha vida. Espero, porém, confiadamente, que,
ao chegar, serei bem-vinda para o meu pai, e querida para ti, minha mãe, e cara
a ti, meu irmão, pois, quando morrestes, eu, querido, pois, quando
morrestes, eu, pelas minhas próprias mãos, vos lavei e adornei, e derramei
sobre o túmulo as libações. E agora, Polinices, por ter dado sepultura ao
teu corpo, obtenho esta recompensa.
E contudo, eu soube bem honrar-te, aos olhos
dos que pensam bem. Pois nem que eu fosse uma mãe com filhos, nem que tivesse
um marido que apodrecesse morto, eu teria empreendido estes trabalhos contra o
poder da cidade. Mas em atenção a que princípio é que eu digo isto? Se me
morressem esposo, outro haveria, e teria um filho de outro homem, se houvesse
perdido um. Mas estando pai e mãe ocultos no Hades, não poderá germinar outro
irmão. Por eu ter preferido honrar-te, devido a este princípio, é que eu apareci
aos olhos de Creonte como culpada e ousada, ó meu caro irmão! E agora ele
tem-me nas suas mãos, e leva-me, privada de tálamo, privada do hirmeneu, sem me
terem tocado em sorte os esponsais nem a criação de filhos, mas vai esta
infeliz, abandonada pelos amigos, ainda viva, para os sepulcros dos mortos.
Qual foi a lei divina que eu transgredi? Porque Heitor-de eu, aí de mim, olhar
ainda para os deuses? Quem invocarei para me valer, já que por usar de piedade
fiquei possuída de impiedade?
Mas se está pena é bela aos olhos dos
deuses, só depois de a termos sofrido poderemos reconhecer que errámos. Se,
porém, são eles que erram, que eles não sofram maiores males do que aqueles a
que me forçaram, fora da lei."